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sexta-feira, setembro 30, 2005

Alicerçando Imagens # 75 - Edouard Manet 1832/1883



A execucao do Imperador Maximiliano, 1867 - Museu das Belas Artes de Boston


quinta-feira, setembro 29, 2005

Alicerçando Poesia # 125 - Thomas Carew 1598-1639


GIVE ME MORE LOVE OR MORE DISDAIN...


Ou mais carinho – ou mais desdém
Seja o pólo ou o equador,
mitigarão meu ardor:
a zona média – a que vêm?
prefiro à estagnação
os extremos da paixão.


Desfere, assim, a tempestade...
Se de amor, na chuva de oiro
de Dánae, tenho um tesoiro;
- e se, ao invés, de frialdade,
também, perdida a esperança,
terei por fim a bonança...

Não te constranjas pois, meu Bem:
ou mais carinho – ou mais desdém!


Tradução de: Luiz Cardim


In, Horas de Fuga, Edições Asa



quarta-feira, setembro 28, 2005

Alicerçando Palavras # 100 - Ramalho Ortigão


Ramalho Ortigão
in AS FARPAS, Tomo III


ALEXANDRE HERCULANO
Setembro, 1877

O homem que teve na terra o nome glorioso de Alexandre Herculano pertence ao domínio da posteridade desde as 10 horas da noite de ontem, 14 de Setembro de 1877.
Os que houverem de julgar na história essa poderosa personalidade terão de considerar que dois cidadãos, inteiramente diversos, existiram na terra, sucedendo-se um ao outro no indivíduo daquele nome.
Um desses cidadãos é o historiador da nacionalidade portuguesa e da Inquisição em Portugal, o romancista do Monasticon, o poeta da Harpa do Crente, o profundo pensador, o sábio arqueólogo, o paciente erudito, o crítico penetrante, o valoroso trabalhador, o grande artista, o inimitável mestre.
O segundo dos cidadãos que passaram no mundo sob o nome de Alexandre Herculano é simplesmente o ilustre solitário de Vale de Lobos.
Estranha evolução de um mesmo ser! Aquele que na primeira metade da existência representa todas as vivas energias por meio das quais o espírito pode actuar no impulso de uma civilização e no aperfeiçoamento de uma sociedade, não é no segundo período da sua vida senão o objecto passivo e inerte de uma designação ascética, imposta pela banalidade retórica dos noticiários – o solitário ilustre!
Como filósofo, como investigador como crítico, como poeta, Alexandre Herculano cria em Portugal os estudos históricos; funda a mais importante colecção dos modernos trabalhos literários – o Panorama; enobrece a língua com o seu estilo nítido e cortante em que a frase tem o lampejo e o golpe dos passes de espada; honra o ofício das letras com o porte rígido, austero e elegante de sua figura literária, em que se denuncia o contorno do guerrilheiro portuense envolto no capote branco dos românticos de 1830, que ele sabia traçar com o garbo marcial de Alfredo de Vigny; cria escola; agrupa em volta de si uma mocidade que o admira e que o idolatra; expede o grito de guerra, que põe em armas a nova geração que vem despontando atrás dele; chama à peleja o partido ultramontano e desfecha ele mesmo os primeiros tiros que rompem as hostilidades da liberdade com o clericalismo; lança finalmente as bases do moderno movimento intelectual, sugere novas ideias, novas aspirações, novos interesses morais, impulsionando vigorosamente a sua época por meio das fecundas agitações do espírito que aceleram nas sociedades vivas a elaboração do progresso.
Como ilustre solitário de Vale de Lobos, Herculano rescinde a sacrossanta escritura da responsabilidade universal, por via da qual o génio do homem se obriga tacitamente com a natureza a servi-la, como sendo ele mesmo a mais poderosa das forças de que dispõe o grande universo; desdiz com o seu repentino silêncio todas as afirmações da sua grande voz; abjura da luz difundida pelas suas palavras à sombra projectada pelas suas oliveiras; nega o movimento que criou pela inacção em que caiu; desdá finalmente todos os laços de solida riedade que o prendiam aos seus compatriotas e aos seus se melhantes, que vinculavam o seu destino intelectual aos destinos da pátria e da humanidade.
O dia do nosso grande luto nacional não é aquele em que expirou o solitário ilustre, mas sim aquele em que deixou de existir para o vertiginoso bulício da vida pública o ardente escritor, que no seio da multidão flutuante, estrepitosa, leviana, indiferente, pérfida, traiçoeira, ingrata, lançava às praças e às ruas públicas, lamacentas e sórdidas, as suas ideias de cada dia, nobres, castas, desinteressadas, aladas pelo alfabeto tipográfico, adejando sobre as imundícies e sobre as dejecções da cidade, como douradas abelhas impolutas, que vão de alma em alma sacudindo das asas luminosas em pólen diamantino a divina verdade.
A isolação de Herculano no remanso estéril do diletantismo bucólico comprometeu o destino mental de uma geração inteira. Pelo intenso poder das suas faculdades reflexivas, pela eminência do seu talento, pela autoridade da sua palavra, pela popularidade do seu nome, pela reputação nunca discutida da sua honestidade, ele era o homem naturalmente indicado para assumir o pontificado intelectual do seu tempo. A ausência dessa autoridade do espírito sobre o espírito foi uma catástrofe para a geração moderna.
Tudo se ressentiu na sociedade portuguesa, com o desaparecimento desse alto poder moderador, destinado a ser o nú cleo do seu governo moral.
A tribuna parlamentar nunca mais tornou a subir um ho mem cuja voz firme, sonora e vibrante levasse até aos quatro cantos do país a expressão viril das grandes convicções inflexíveis, dos altos e potentes entusiasmos ou dos profundos e implacáveis desdéns. Essa pobre tribuna deserta degradou-se sucessivamente até não ser hoje mais do que uma prateleira mal engonçada com algum lixo e o respectivo copo de água.
A imprensa decaiu como decaiu a tribuna. Assaltada pelas mediocridades ambiciosas e pelas incompetências audazes, a imprensa tornou-se um tablado de saltimbancos de feira, convidando o público a 10 réis por cabeça, para assistir, entre assobios e arremessos de cenouras e de batatas podres, à representação da desbocada comédia, declamada em gíria da matula por personagens sarapintadas a vermelhão e a ocre, que mostram o punho arregaçado e sapateiam as tábuas, como em sarabanda de negros e patifes, com os seus pés miseráveis.
A política converteu-se em uma vasta associação de intriga, em que os sócios combinam dividir-se em diversos grupos, cuja missão é impelirem-se e repelirem-se sucessivamente uns aos outros, até que a cada um deles chegue o mais frequentemente que for possível a vez de entrar e sair do governo. Nos pequenos períodos que decorrem entre a chegada e a partida de cada ministério o grupo respectivo renova-se, depondo alguns dos seus membros nos cargos públicos que vagaram e recrutando novos adeptos candidatos aos lugares que vierem a vagar. É este o trabalho de assimilação e desassimilação dos partidos, que constitui a vida orgânica do que se chama a política portuguesa.
A arte desnacionaliza-se e afasta-se cada vez mais do fio tradicional que a devia prender estreitamente à grande alma popular.
A opinião pública, marasmada pela indiferença, desabitua-se de pensar e perde o justo critério por que se julgam os homens e os factos.
Se um pensador da alta competência e da grande autoridade de Alexandre Herculano tivesse persistido durante os últimos vinte anos à frente do movimento intelectual do seu tempo, essa influência teria modificado importantemente o nosso estado social.
Na política, ninguém como ele, com as suas opiniões extremas e radicais, poderia originar a criação dos dois grandes e fortes partidos – o partido conservador e o partido revolucionário – de cuja controvérsia depende essencialmente não só o progresso político da sociedade portuguesa, mas a própria conservação do seu regime constitucional.
Na imprensa, ninguém como ele poderia elevar a autoridade da instituição com a sua palavra tão cintilante, tão denodada, tão própria para o debate, e com a sua experiência tão esclarecida pela convivência e pela cultura da história.
Na opinião e no espírito público ninguém teria uma acção tão segura e tão decisiva, porque ninguém como ele gozou em Portugal de um tão inteiro prestígio e de uma tão completa e absoluta autoridade.
Na arte, ninguém ainda mais próprio para levar a criação estética à fonte nativa da inspiração, à tradição histórica, à raiz da paixão e do sentimento nacional.
Exercer essa alta direcção dos espíritos é nas sociedades modernas a missão dos grandes homens. Dos eminentes escritores europeus deste século Herculano foi o único que espontaneamente abandonou na força da inteligência e da vida o posto de honra a que chegara pelo esforço do seu trabalho e pela posse dos mais felizes dons com que a natureza o dotara.
Guizot, Michelet, Buckle, Proudhon, Stuart Mill, todos os modernos, todos os que vieram depois de definido pela Revolução o dogma do dever social, viveram combatendo até à última hora e morreram com a pena na mão.
Há poucos dias ainda a França viu cair Thiers na estacada em pleno combate. Era um velho pequenino, valetudinário, quase raquítico. Desde muito que ele era suficientemente rico para gozar a tranquilidade egoísta, imperturbável, do mais poderoso príncipe. A sua longa vida fora uma série nunca interrompida de combates, de derrotas, de triunfos, das mais violentas comoções que podem oprimir e dilacerar uma alma. Há dez anos que poucos teriam como ele o direito de solicitar um pouco de tranquilidade e um pouco de sombra. Ele todavia permanece no ponto mais temeroso da peleja, e é essa pertinácia de um só homem, tão débil e tão caduco que qualquer mulher poderia pô-lo ao colo e adormecê-lo como um baby, que a França deve a sua reconstituição política e social, e a democracia a afirmação mais poderosa e mais enérgica de uma república no coração da Europa.
Na Inglaterra, não já um homem mas uma simples mulher que teve um papel decisivo no movimento das ideias moder nas, Miss Martineau, ferida por uma lesão do coração, desenganada pela medicina de que não pode ter mais de um ano de vida, concentra durante esse ano todas as suas faculdades na conclusão da sua última obra, conta a uma por uma em benefício do seu semelhante as suas derradeiras pulsações, e sob uma condenação mais peremptória e mais tremenda que a de Condorcet, arranca da sua invencível vontade a energia precisa para escrever com a lucidez mais profunda, com a firmeza mais viril, com a coragem mais heróica, o admirável livro em que depõe com a última palavra o último suspiro.
Um simples poeta, um romancista, um talento de especialidade, tem o direito de fazer um livro e de se calar para todo o sempre; mas o cidadão em quem concorrem as multíplices aptidões cerebrais que constituem os espíritos superiores, as capacidades dirigentes, não tem esse direito.
A benevolência devida aos vivos pode levar-nos a respeitar nos actos de cada homem um produto indiscutível da sua liberdade; a verdade porém devida aos mortos, a incorruptível verdade, tem diante dos túmulos o dever de considerar, em nome da sociedade, todas as condições que encaminharam ou desencaminharam uma existência nessa linha ideal para onde convergem as mais altas aspirações da humanidade.
E é só assim que as gerações aprendem o que têm de agradecer e o que têm de perdoar aos obreiros do passado, tirando desse juízo austero sobre a missão dos que morreram, a regra moral a que têm de submeter-se aqueles que estão vivos .
A elaboração psicológica das causas que levaram o espírito de Herculano a quebrar as suas relações mentais com a sociedade, é um importante estudo a que se acham obrigados aqueles que viveram na intimidade e na confidência do grande escritor. A sociedade precisa de saber que grau de responsabilidade lhe cabe no emudecimento dessa voz. Porque a isolação de Herculano não é um simples episódio-biográfico, é um facto social, é um dos mais tristes fenómenos da decadência portuguesa.
O exemplo do solitário de Vale de Lobos será profundamente nocivo, se não for cabalmente explicado como uma fatalidade sociológica.
Todos aqueles que trabalham com dedicação e com honra, que se consideram responsáveis diante dos seus semelhantes pela conclusão do trabalho que a si mesmos se impuseram, que se dedicam à sua missão, que vêem nela uma parte integrante da grande obra colectiva da humanidade, todos aqueles que têm na vida um fito superior e desinteressado, estão sujeitos em cada dia, em cada hora, em cada instante, à grande luta da consciência com as sugestões do egoísmo, com a ingratidão dos homens, com a calúnia, com a traição com o desdém. É perigoso para os que têm ainda, no meio da dissolução geral dos caracteres, esse vivo sentimento da solidariedade, essa corajosa dedicação do martírio, essa persistência no lento suicídio que é a vida de todos os que pensam e de todos os que lutam, o ver de repente soçobrar e afundar-se na fria impassibilidade e na tenebrosa indiferença o alto luminar destinado a indicar a uma geração inteira o árduo e penoso rumo do dever.
Lemos em um jornal que a imprensa de Lisboa, reunida em assembleia para o fim de pagar à memória de Alexandre Herculano o tributo da sua admiração, resolvera abrir uma subscrição destinada a elevar um monumento ao insigne es critor. Parece, segundo o mesmo boato, que não está ainda resolvido de que natureza será o monumento em projecto.
Se tivéssemos a imerecida honra de sermos considerados pela imprensa como um dos seus membros, eis o que proporíamos:
A obra monumental, posto que ainda incompleta do finado escritor, a sua História de Portugal, é possível que houvesse já sido lida, mas, conquanto escrita há muitos anos, não foi por enquanto estudada.
Em todo o longo trabalho de investigação, de crítica, dc análise, de dedução, que constitui a matéria desses quatro volumes, o público português não viu senão dois factos extremamente subalternos na obra do filósofo e na obra do artista: – a negação do milagre de Ourique e das cortes de Lamego.
O historiador da nossa nacionalidade não foi olhado senão debaixo de um aspecto – o aspecto das nossas superstições.
As origens do direito, da arte, da propriedade, da religião, da família, da pátria interessam-nos de um modo tão medíocre que nunca nos sugeriram uma ideia clara sobre qualquer desses fenómenos.
De tão múltiplos problemas suscitados ou resolvidos pelo historiador da nossa vida civil apenas um nos comoveu até às mais íntimas profundidades do nosso organismo social: Se Jesus Cristo tinha ou não tinha vindo cavaquear com D. Afonso Henriques na véspera de uma batalha, e se a derrota dos mouros fora ou não o resultado de uma operação estratégica combinada de comum acordo entre os dois poderosos inimigos do Califado de Córdova, o filho do conde D. Henrique e o filho de Deus.
Todas as demais questões debatidas nos quatro volumes da História de Portugal passaram inteiramente despercebidas ao jornalismo português, o qual não teve ainda, até hoje, ocasião de publicar um artigo cientificamente fundamentado acerca do papel do nosso primeiro historiador na direcção dos estudos históricos e na compreensão das leis fundamen tais da nossa evolução social.
A homenagem que a imprensa deve prestar a Alexandre Herculano é a publicação desse estudo, porque o primeiro dever dos jornalistas perante um grande escritor é mostrar que o leram. Com relação a Herculano essa dívida está por saldar, e a imprensa tem que desempenhar-se dela com tanta mais prontidão, quanto é certo que o seu longo silêncio podia ter sido uma das causas que levaram o iniciador dos trabalhos históricos portugueses a talhar para si mesmo a triste mortalha em que desceu envolto para o túmulo – a mortalha do desprezo. Não conseguiu merecer-lhe mais o espírito dos contemporâneos.


terça-feira, setembro 27, 2005

Alicerçando Poesia # 124 - José Ángel Cilleruello


Alfama

Un hombre es la ciudad en la que vive.
La lluvia fina que traga sus pasos
cuando un sábado vuelve a casa
De madrugada, y estuvo tan cerca y
no fue feliz. Un hombre es la ciudad
en la que viven otros hombres
que conversan con sus palabras,
visten esos cuatro colores
y hasta pudieran ser él mismo.

(Alfama, 1987)








Poética

Y lo hacen en el coche frente al mar
Discreto de los sábados, y luego
Despeinadas y feas, algo hinchados
Los labios, con arrugas en la falda,
Aparecen por el café. No exigen
Al fumar ni palabras ni caricias.
Las imágenes de televisión
Invaden por completo su mirada.
En su dulce abandono del deseo
Prenden los símbolos más solitarios.

(Maleza, 1995)



segunda-feira, setembro 26, 2005

Alicerçando Imagens # 74 - Renato Guttuso 1911/1987


La pittura è il mio mestiere. Cioè è il mio mestiere ed il mio modo di avere rapporto con il mondo. Vorrei essere appassionato e semplice, audace e non esagerato. Vorrei arrivare alla totale libertà in arte, libertà che, come nella vita, consiste nella verità.

Renato Guttuso, 1957





Spes contra Spem, 1982, oleo sobre tela, 300x350cm, colec�ao privada


domingo, setembro 25, 2005

Alicerçando Poesia # 123 - Marcus Accioly


Latinoamérica
Round 22
Fórceps




madre América minha (minha madre)
às vezes no teu seio (quando sofro
por coragem não ter de ser covarde)
ânsias sinto de estar ou ser de novo
no teu útero (sim) na intimidade
capaz de me fechar (como em um ovo
dentro de ti) por isso é natural
que me coloque em posição fetal




(sim) encolho meu peito até os joelhos
puxados com os dois braços (sem falar
vou boiando das chamas dos teus pêlos
ao teu ventre redondo feito o mar)
nado em tua placenta onde os vermelhos
lençóis do sangue tentam me dobrar
em suas dobras (madre) e sou o filho
que religa o cordão ao próprio umbigo




(ai quando o pensamento cega o sonho
ou o sonho quer mentalizar o mundo)
quando eu me reconheço tão estranho
que fecho os olhos para ver mais fundo
(madre minha) eu me curvo enquanto ponho
toda a cabeça em tua vulva e afundo
(à semelhança do avestruz) por dentro
do fim e do começo do teu centro




(em ti posso esconder-me de mim mesmo)
sou o menino que era no teu colo
(mas perdeu a saúde e está enfermo
de tanto suplicar o teu consolo)
eu quero ser (mesmo empurrado a ferro
como um bolo-de-carne ou feito um rolo-
de-sangue) igual a um feto que se esforce
a entrar em ti sob invertido fórceps


sábado, setembro 24, 2005

Alicerçando Poesia # 122 - Rafael Pombo - Colômbia 1833/1912


Mirringa Mirronga


Mirringa Mirronga, la gata candonga
va a dar un convite jugando escondite,
y quiere que todos los gatos y gatas
no almuercen ratones ni cenen con ratas.
"A ver mis anteojos, y pluma y tintero,
y vamos poniendo las cartas primero.
Que vengan las Fuñas y las Fanfarriñas,
y Ñoño y Marroño y Tompo y sus niñas.
"Ahora veamos qué tal la alacena.
Hay pollo y pescado, ¡la cosa está buena!
Y hay tortas y pollos y carnes sin grasa.
¡Qué amable señora la dueña de casa!
"Venid mis michitos Mirrín y Mirrón.
Id volando al cuarto de mamá Fogón
por ocho escudillas y cuatro bandejas
que no estén rajadas, ni rotas ni viejas.
"Venid mis michitos Mirrón y Mirrín,
traed la canasta y el dindirindín,
¡y zape, al mercado! que faltan lechugas
y nabos y coles y arroz y tortuga.
"Decid a mi amita que tengo visita,
que no venga a verme, no sea que se enferme
que mañana mismo devuelvo sus platos,
que agradezco mucho y están muy baratos.
"¡Cuidado, patitas, si el suelo me embarran
¡Que quiten el polvo, que frieguen, que barran
¡Las flores, la mesa, la sopa!... ¡Tilín!
Ya llega la gente. ¡Jesús, qué trajín!".
Llegaron en coche ya entrada la noche
señores y damas, con muchas zalemas,
en grande uniforme, de cola y de guante,
con cuellos muy tiesos y frac elegante.
Al cerrar la puerta Mirriña la tuerta
en una cabriola se mordió la cola,
mas olió el tocino y dijo "¡Miaao!
¡Este es un banquete de pipiripao!"
Con muy buenos modos sentáronse todos,
tomaron la sopa y alzaron la copa;
el pescado frito estaba exquisito
y el pavo sin hueso era un embeleso.
De todo les brinda Mirringa Mirronga:
– "¿Le sirvo pechuga?" – "Como usted disponga,
y yo a usted pescado, que está delicado".
– "Pues tanto le peta, no gaste etiqueta:
"Repita sin miedo". Y él dice: – "Concedo".
Mas ¡ay! que una espina se le atasca indina,
y Ñoña la hermosa que es habilidosa
metiéndole el fuelle le dice: "¡Resuelle!"
Mirriña a Cuca le golpeó en la nuca
y pasó al instante la espina del diantre,
sirvieron los postres y luego el café,
y empezó la danza bailando un minué.
Hubo vals, lanceros y polka y mazurca,
y Tompo que estaba con máxima turca,
enreda en las uñas el traje de Ñoña
y ambos van al suelo y ella se desmoña.
Maullaron de risa todos los danzantes
y siguió el jaleo más alegre que antes,
y gritó Mirringa: "¡Ya cerré la puerta!
¡Mientras no amanezca, ninguno deserta!"
Pero ¡qué desgracia! entró doña Engracia
y armó un gatuperio un poquito serio
dándoles chorizo de tío Pegadizo
para que hagan cenas con tortas ajenas.


sexta-feira, setembro 23, 2005

Alicerçando Palavras # 99 - Inês Pedrosa


Não basta morrer para conhecer o sorriso de Deus – mesmo que, como foi o meu caso, se tenha vivido abismada nele uma vida inteira. Quando o pior acontecia, aquele sorriso descia às minhas trevas com um soluço de baloiço, um gingar de gonzos arrancado às cordas da infância. Eu sentava-me nele e subia, balouçando, até à luz. O pior aconteceu-me cedo, tive sorte. Deus procura primeiro os que sofrem antes do conhecimento específico da dor, talvez porque os outros sabem demasiado para poderem ser salvos.

Tu dizias que era ao contrário: que Deus nasce da ignorância própria dos sofrimentos prematuros. Mas tu, meu aluno dilecto, cedo te deixaste povoar pelo excesso do saber. Deus não sabia nada do Universos quando o criou. Imagino que se sentiria só. Imagino que num momento impreciso essa solidão se terá tornado maior do que Ele próprio, estourando numa gigantesca flor de luz. E imagino-O, depois, tentando dar um sentido particular a cada uma das pétalas dessa luz dispersa. Agora que saí do corpo que fui – para me tornar pólen, poeira nos teus olhos, pura imaginação de mim – imagino-o melhor ainda, ébrio de luz, lúcido, encadeado por um Lúcifer oculto e criador incrustado no seu próprio ser, em estado de paixão com a história desencadeada pela sua omnipotente solidão. E balouço no Seu sorriso outra vez, a vez definitiva porque o meu corpo está lá em baixo, num caixão, contemplado e lembrado e chorado pela última vez.

Não me levantarei da cama amanhã de pois de Lhe pedir em surdina que dê um impulso maior ao baloiço, que o empurre com força até que os pés me voem para fora do calor aterrado dos lençóis. Ninguém mais vai estar à minha espera, não terei de me disfarçar de desculpas, não voltarei a iludir ou desiludir ninguém. Não voltarei a morrer no corpo do único homem que me abriu no corpo a passagem secreta para a morte. Não voltarei à desilusão do renascimento. Sobretudo não voltarei a desiludir-te a ti, o descrente que me ensinou a crer melhor, o meu pequeno e velho Deus de algibeira, o meu amigo.

Despojada de corpo é-me mais fácil transformar-me no próprio balouço, na luz dançante de que ele é feito. Num murmúrio de vento peço-Lhe que não me empurre tão depressa para esse lugar iluminado que é a Sua Carne, peço-Lhe que me deixe matar saudades desse mundo que deixei tão de repente. Matar saudades de ti. Ou matar-te, como fazem as crianças, para recomeçar uma outra história, no balouço quotidano do teu sorriso.



Inês Pedrosa, Fazes-me Falta, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2002



quinta-feira, setembro 22, 2005

Alicerçando Poesia # 121 - Bernardim Ribeiro 1480/1530(?)


Cantiga


Perdido e desterrado,
que farei? onde me irei?
depois de desesperado,
outra mor mágoa achei.


Desconsolado de mim,
em terra alheia alongado,
onde por remédio vim
e repairo do meu gado;
mas, ó mal-aventurado
de mim, sem consolação,
temo que há-de ser forçado,
pois que foi tam mal fadado,
matar-me com minha mão.


Que conta darei eu agora
a quem não ma há-de pidir?
Que desculpa porei ora
a quem não me há-de ouvir?
Frauta, dom da mais querida
que cobre esta noute escura,
frauta minha, sois perdida!
Façam-me uma sepultura,
que muito há que estou sem vida. [...]


Jano, esta é a cantiga,
ca a derradeira cri que era;
e, por sair da fadiga,
confesso-te que o quisera.
Mas, se a alam e entendimento
não morrem com o corpo, a mágoa
me ficará. Vamo-nos, que sento
que é tempo do gado ir à água;
também tem tempo o tromento.





ÉCLOGAS, Écloga de Jano e Franco



quarta-feira, setembro 21, 2005

Alicerçando Imagens # 73 - Rafael 1483-1520



Lucrecia, caneta e tinta castanha - Metropolitan Museum of Art, New York


terça-feira, setembro 20, 2005

Alicerçando Poesia # 120 - Do livro das Portas


Extrait du livre des portes, 9e heure, 58e scène, d'après E. Hornung


Atteindre les noyés qui sont dans l'eau,
passer près d'eux.
" Celui qui est dans le Noun", leur dit:
ce sont des noyés, qui sont dans l'eau,
des nageurs qui sont dans le flot,
ceux qui ont vu Rê,
qui passe dans sa barque,
avec grand mystère.
Il s'occupe des dieux
et règle les affaires des " lumineux ".
Allons, debout! Vous les fatigués,
voyez, Rê s'occupe de vous!
Rê leur dit:
Sortez la tête,
Vous qui avez plongé! Ramez avec les bras,
Vous qui avez sombré! Passez à toute vitesse sur votre parcours,
Vous qui nagez! Respirez par le nez,
Vous qui êtes étendus! Puissiez-vous disposer de votre eau,
Puissiez-vous être satisfaits dans notre eau fraîche.
Votre progression appartient au Noun,
votre marche appartient au flot.
Vos âmes {Ba} qui sont sur terre sont satisfaites
avec ce que vous respirez, sans qu'elles ne périssent!
Vos repas d'offrande sont les offrandes de la terre {monde souterrain}.
Cela leur est offert sur terre
comme à quelqu'un qui dispose de ses offrandes sur terre.


segunda-feira, setembro 19, 2005

Alicerçando Palavras # 98 - Colofon


Cosmogonia

Da terra tudo vem e nela tudo acaba.


domingo, setembro 18, 2005

Alicerçando Poesia # 119 - Claude Esteban


Il y a


Il y a la route avec ses trous,
il y a partout cette menace immense


qu’on m’appelle, qu’on me dise mon défaut,
je m’inclinerai jusqu’à terre.

2001


descoberto através duma dica do umblogsobrekleist

sábado, setembro 17, 2005

Alicerçando Imagens # 72 - Giorgio de Chirico 1888-1978



Ariadne, 1913, Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque


sexta-feira, setembro 16, 2005

Alicerçando Poesia # 118 - Píndaro - Tebas - VI-V a.C.


Os Campos Elíseos

Brilha para eles a força do Sol, debaixo da terra,
mesmo quando é noite aqui.
Em frente à sua cidade, há prados de rosas rubras,
ensombrados pelo incenso,
e árvores carregadas de áureos frutos.
O seu deleite são os cavalos, os exercícios gímnicos,
o xadrez e a lira.
E, no meio deles, floresce a ventura frondosa.
Um aroma aprazível
se espalha pela região,
dos sacrifícios de toda a espécie,
feitos sobre os altares
dos deuses. Ao longe se avista a sua chama.


quinta-feira, setembro 15, 2005

Alicerçando Palavras # 97 - Euclides sec. IV-III a.C.


Ponto é aquilo que não tem partes.

Linha é o comprimento sem largura.

Os extremos de uma linha são pontos.

Linha recta é a que se encontra igualmente em todos os seus pontos.

Superfície é o que tem apenas comprimento e largura.

Os extremos de uma superfície são linhas.

Superfície plana é a que se encontra igualmente em todas as suas rectas.

Ângulo plano é a inclinação mútua de duas linhas num plano, que se tocam e não estão alinhadas.

Quando as linhas que contêm o ângulo são rectas, o ângulo chama-se rectilíneo.

Quando uma linha recta que encontra outra linha forma ângulos adjacentes iguais, cada um a cada um, cada um dos ângulos iguais é recto, e a linha recta que encontra a outra chama-se perpendicular a essa.

Círculo é uma figura plana contida por uma linha [a qual é chamada circunferência], tal que todas as rectas tiradas de um ponto dos que ficam dentro da figura [para as circunferências do círculo] são iguais umas às outras.

Esse ponto chama-se centro do círculo.

Linhas rectas paralelas são as que, estando no mesmo plano, e prolongadas indefinidamente, não se encontram em qualquer direcção.



Elementos, Definições



quarta-feira, setembro 14, 2005

Alicerçando Poesia # 117 - Forough Farrokhzad


Mais Tarde

A minha morte chegará um dia
Um dia na primavera, luminoso e gracioso
Um dia de inverno, poeirento, distante
Um dia vazio de outono, desprovido de alegria.

A minha morte chegará um dia
Um dia doceamargo, como todos os meus dias
Um dia oco como o que passou
Sombra de hoje ou de amanhã.

Os meus olhos adaptam-se à penumbra dos pátios
As minhas faces parecem frio, pálido mármore
Subitamente o sono arrasta-se sobre mim
Livro-me de todos os gritos dolorosos.

Lentamente minhas mãos deslizam sobre anotações
Que chegaram até mim debaixo do feitiço da poesia,
Relembro que outrora em minhas mãos
Retive o sangue flamejante da poesia.

A terra convida-me para os seus braços,
As gentes reúnem-se para me sepultar aqui
Talvez à meia-noite os meus amantes
Coloquem sobre mim coroas de muitas rosas.


tradução: Vasco Gato



Retirado do blog da minha amiga Márcia Maia.

terça-feira, setembro 13, 2005

Alicerçando Fotos # 14



Espelho

autor: Carlos Afonso, retirado daqui.


segunda-feira, setembro 12, 2005

Alicerçando Palavras # 96 - Galeno - Pérgamo - sec. II d.C.


O supremo artífice


Novamente devemos notar neste ponto a arte da Natureza, que não só pôs em cada um dos órgãos a capacidade de desenvolver úteis energias, como também previu as oportunidades de repouso e movimento.


sábado, setembro 10, 2005

Alicerçando Poesia # 116 - Manoel de Barros


post em especial para Paiva Raposo




Deus disse: vou ajeitar você a um dom.
Vou pertencer você para uma árvore.
E pertenceu-me.
Escuto o perfume dos rios.
Sei que a voz das águias tem sotaque azul.
Sei botar cílio nos silêncios.
Para encontrar o azul eu uso pássaros.
Só não desejo cair em sensatez.
Não quero a boa razão das coisas.
Quero o feitiço das palavras.


sexta-feira, setembro 09, 2005

Alicerçando Imagens # 71 - Cimabue 1240-1302



Crucificacao (detalhe), tempera sobre madeira, 64,5 x 53 cm, Arezzo

quinta-feira, setembro 08, 2005

Alicerçando Poesia # 115 - Léon de Greiff - Colômbia - 1895/1976


BALADA DEL MAR NO VISTO,
RITMADA EN VERSOS DIVERSOS


A Gregorio Castañeda Aragón


No he visto el mar.
Mis ojos
—vigías horadantes, fantásticas luciérnagas;
mis ojos avizores entre la noche; dueños
de la estrellada comba;
de los astrales mundos;
mis ojos errabundos
familiares del hórrido vértigo del abismo;
mis ojos acerados de viking, oteantes;
mis ojos vagabundos
no han visto el mar...
La cántiga ondulosa de su trémula curva
no ha mecido mis sueños;
ni oí de sus sirenas la erótica quejumbre;
ni aturdió mi retina con el rútilo azogue
que rueda por su dorso...
sus resonantes trombas,
sus silencios, yo nunca pude oír…:
sus cóleras ciclópeas, sus quejas o sus himnos;
¡ni su mutismo impávido cuando argentos y oros
de los soles y lunas, como perennes lloros
diluyen sus riquezas por el glauco zafir...!
¡Ni aspiré su perfume!
Yo sé de los aromas
de amadas cabelleras...
yo sé de los perfumes de los cuellos esbeltos
y frágiles y tibios;
¡y senos donde esconden sus hálitos las pomas
preferidas de Venus!
Yo aspiré las redomas
donde el Nirvana enciende los sándalos simbólicos;
las zábilas y mirras del mago Zoroastro...
Mas no aspiré las sales ni los iodos del mar.
Mis labios sitibundos
no en sus odres la sed
apagaron:
no en sus odres acerbos
mitigaron la sed...
Mis labios, locos, ebrios, ávidos, vagabundos,
labios cogitabundos
que amargaron los ayes y gestos iracundos
y que unos labios —vírgenes— ¡captaron en su red!
Hermano de las nubes,
yo soy.
Hermano de las nubes
de las errantes nubes, de las ilusas del espacio:
vagarosos navíos
que empujan acres soplos anónimos y fríos,
¡que impelen recios ímpetus voltarios y sombríos!
Viajero de las noches
yo soy.
Viajero de las noches embriagadoras; nauta
de sus golfos ilímites,
de sus golfos ílímites, delirantes, vacíos,
—vacíos de infinito..., vacíos... —Dócil nauta
yo soy,
y mis soñares derrotados navíos...
Derrotados navíos, rumbos ignotos, antros
de piratas... ¡el mar!...

Mis ojos vagabundos
—viajeros insaciados— conocen cielos, mundos,
conocen noches hondas, ingraves y serenas,
conocen noches trágicas,
ensueños deliciosos,
sueños inverecundos...
Saben de penas únicas,
de goces y de llantos,
de mitos y de ciencia,
del odio y la clemencia,
del dolor
¡y el amar…!
Mis ojos vagabundos,
mis ojos infecundos…:
no han visto el mar mis ojos,
¡no he visto el mar!


quarta-feira, setembro 07, 2005

Alicerçando Palavras # 95 - Umberto Eco


CONVERSA EM BABILÓNIA


(Entre o Tigre e o Eufrates, à sombra dos jardins suspensos, há não muitos milhares de anos atrás)



URUK – Gostas destes cuneiformes? O meu sistema de servo-escritura, numa dezena de horas, compôs-me todo o começo do código de Hamurabi.

NIMROD – O que é isso? É um Apple Nominator da Eden Valley?

URUK – Estás maluco? Esses não os aceitam em devolução nem no mercado de escravos de Tiro. Não, este é um servo-escritor egípcio, um Toth 3Megis-Dos. Consome muito pouco, um punhado de arroz por dia e escreve até hieróglifos.

NIMROD – Enches-lhe a memória para nada.

URUK – Mas formata enquanto copia. Já não precisa de um servoformatador que pega na argila, molda a tábua, a põe ao sol para secar e depois um outro escreve. Ele molda, seca ao fogo e escreve directamente.

NIMROD- Mas usa tábuas de 5,25 cúbitos egípcios e deve pesar uns sessenta quilos. Porque é que não arranjas um portátil?

URUK – O quê? Um daqueles visores caldeus com cristais líquidos? Coisas de Magos.

NIMROD - Não, um servo-escritor anão, um pigmeu africano adaptado em Sídon. Sabes como são os Fenícios, copiam tudo dos Egípcios, mas depois miniaturizam. Olha: laptop, escreve sentado mesmo em cima dos teus joelhos.

URUK – Que nojo, ainda por cima é corcunda.

NIMROD – Pudera, aplicaram-lhe uma placa nas costas para o backup rápido. Uma chicotada e escreve directamente em Alfa-Beta,, vês, em vez do graphic mode usa um text mode, com vinte e um caracteres fazes tudo. Compactas o código de Hamurabi em poucas tábuas de 3,5.

URUK – E depois tens de comprar também um servotradutor.

NIMROD – De maneira nenhuma. O anão tem o tradutor incorporado, mais uma chicotada e transcreve em cuneiforme.

URUK – Também faz a parte gráfica?

NIMROD – Evidentemente. Não vês que é de cor? Quem pensas que fez todos os planos para a Torre?

URUK – Confias nele? Na volta, ainda cai tudo.

NIMROD – Imagina. Instalei na memória o Pytagoras e o Memphis Lotus. Tu dás-lhe as medidas planas, uma chicotada e ele projecta um zigurate em três dimensões. Os Egípcios para as pirâmides precisavam ainda do sistema Moses de dez comandos, que requeria um link de dez mil servo construtores. E não eram nada friendly. Tudo hardware obsoleto que tiveram de deitar no mar Vermelho, até as águas se levantarem.

URUK – E quanto ao cálculo?

NIMROD – Fala até em Zodiak. Num instante mostra-te o teu horóscopo e what you see is what you get.

URUK – É muito caro?

NIMROD – Olha, se o comprares aqui não te chega a colheita de uma época, mas se fores buscar nas pequenas feitas de Byblos podes obtê-lo por um saco de sementes. É claro, tens de o alimentar bem, senão já sabes, garbage in garbage out.

URUK – Mesmo assim, ainda me dou bem com o meu egípcio. Se o teu anão é compatível com o meu 3Megis-Dos, não poderias pô-lo a ensinar-lhe ao menos o Zodiak?

NIMROD – Seria ilegal, porque quando o compras tens de jurar que é para uso pessoal. Mas no fundo toda a gente faz isso, está bem, pomo-los em contacto. Só que não queria que o teu tivesse o vírus.

URUK
– Está são como um pêro. O que mais me assusta é que cada dia que passa sai uma nova linguagem e no fim ainda acabamos por confundir os programas todos.

NIMROD – Descansa, aqui em Babel não, em Babel não.


(1991)



Umberto Eco, O Segundo Diário Mínimo, Difel, Lisboa, 1993

segunda-feira, setembro 05, 2005

Alicerçando Poesia # 114 - Safo - Lesbos - VII-VI a.C.


Um jardim

Há um murmúrio de águas frescas, através
dos ramos das macieiras, as rosas ensombram
todo o solo, e das folhas trémulas
escorre o sonho.



A glória literária

Quando morreres, hás-de jazer sem que haja no futuro
memória de ti nem saudade. É que não tiveste parte
nas rosas de Piéria. Invisível, andarás a esvoaçar
no Hades, entre os mortos impotentes.


domingo, setembro 04, 2005

Alicerçando Palavras # 94 - Gabriel García Márquez


Muitos dos romances que nessa altura lia e admirava só me interessavam pelos seus ensinamentos técnicos. Quer dizer: pela sua carpintaria secreta. Desde as abstracções metafísicas dos três primeiros contos até aos três últimos de então, encontrei pistas exactas e muito úteis da formação primária de um escritor. Não me passara pela cabeça a ideia de explorar outras formas. Pensava que conto e romance não só eram dois géneros literários diferentes como dois organismos de natureza diversa que seria funesto confundir. Hoje continuo a pensar como então e estou mais do que nunca convencido da supremacia do conto sobre o romance.

Gabriel García Márquez, Viver para contá-la, Dom Quixote, Lisboa, 2003



sábado, setembro 03, 2005

Alicerçando Poesia # 113 - Eduardo Castillo - Colômbia -1889/1938


SENSACIÓN CREPUSCULAR


El alma de la tarde se anuncia en la furtiva
esquila del rebaño que torna; la laguna
—tal un gran ojo herido por una luz muy viva—
espera el milagroso vendaje de la luna

piadosa. Bajo el Ángelus el valle se apacigua;
la hora, que vestida de seda azul se aleja,
le da al paisaje, donde la lumbre se amortigua,
una dulzura ingenua, como una estampa antigua.

Deja que nos penetre toda esa calma, deja
que el alma se disperse como un olor de rosas
en este ambiente tibio de seda extenüada...
Es dulce cuando se ajan las tardes silenciosas
pensar las mismas cosas y no decirse nada.


sexta-feira, setembro 02, 2005

Alicerçando Imagens # 70 - Ferdinand Hodler 1853/1918



Tired of Life, 1892, �leo sobre tela, 149,7 x 294

quinta-feira, setembro 01, 2005

Alicerçando Poesia # 112 - Simónides - Ceos - VI-V a.C.


A sorte é instável

Sendo homem, não digas nunca o que acontece amanhã
e, se vires alguém feliz, quanto tempo o será.
Rápida como o volver de asas de uma mosca,
assim é a mudança da fortuna.