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quarta-feira, novembro 30, 2005

Alicerçando Poesia # 146 - D. Sancho I


Cantar de Amigo


Ai eu coitada!
Como vivo en gram cuidado
por meu amigo
que ei alongado!
Muito me tarda
o meu amigo na Guarda!



Ai eu coitada!
Como vivo en gram desejo
por meu amigo
que tarda e non vejo!
Muito me tarda
o meu amigo na Guarda!




Líricas Portuguesas, Portugália Editora, Lisboa, 1ª Série



terça-feira, novembro 29, 2005

Alicerçando Poesia # 145 - Irene Lisboa 1892/1958


Jeito de Escrever


Não sei que diga.
E a quem o dizer?
Não sei que pense.
Nada jamais soube.
Nem de mim, nem dos outros.
Nem do tempo, do céu e da terra, das coisas...
Seja do que for ou do que fosse.
Não sei que diga, não sei que pense.
Oiço os ralos queixosos, arrastados.
Ralos serão?
Horas da noite.
Noite começada ou adiantada, noite.
Como é bonito escrever!
Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto - o jeito.
Ao acaso, sem âncora, vago no tempo.
No tempo vago...
Ele vago e eu sem amparo.
Piam pássaros, trespassam o luto do espaço, este sereno luto das horas.
Mortas!
E por mais não ter que relatar me cerro.
Expressão antiga, epistolar: me cerro.
Tão grato é o velho, inopinado e novo.
Me cerro!
Assim:
uma das mãos no papel, dedos fincados, solta a outra, de pena expectante.
Uma que agarra, a outra que espera...
Ó ilusão!
E tudo acabou, acaba.
Para quê a busca das coisas novas, à toa e à roda?
Silêncio.
Nem pássaros já, noite morta.
Me cerro.
Ó minha derradeira composição! Do não, do nem, do nada, da ausência e solidão.
Da indiferença.
Quero eu que o seja! da indiferença ilimitada.
Noite vasta e contínua, caminha, caminha.
Alonga-te.
A ribeira acordou.




LIRICAS PORTUGUESAS, PORTUGÁLIA EDITORA, LISBOA, P. 90



domingo, novembro 27, 2005

Alicerçando Imagens #87 - Constantin Brancusi 1876/1956



Pássaro, 1940



sábado, novembro 26, 2005

Alicerçando apenas


No Palais des Beaux-Arts em Bruxelas uma exposição sobre a avant-garde russa. Entre outros Malévitch - Gontcharova - Exter.

Até 22 de Janeiro.


sexta-feira, novembro 25, 2005

Alicerçando Palavras # 112 - Marsílio Ficino


O próprio esplendor do sumo bem refulge em cada uma das coisas e, onde refulge mais perfeitamente, é aí que sobretudo estimula que vê essa coisa, excita quem a considera, arrasta e ocupa todo aquele que dela se aproxima, obrigando-o, como se fora a uma divindade, a venerar um esplendor desse género mais do que qualquer outro e, por fim, deposta a natureza anterior, a transformar-se ele mesmo em esplendor.

Isto resulta claramente do facto de um homem que vê ou contacta com o homem amado nunca estar contente; por isso, exclama: "Este homem tem em si algo que me queima; mas não compreendo o que eu mesmo desejo!" Daqui se conclui claramente que o espírito é incendiado por aquele fulgor divino que resplende no homem belo como num espelho e que, por caminhos desconhecidos apanhado, é transportado, como por um anzol, para o alto até se divinizar.

Mas Deus seria, por assim dizer, um tirano iníquo, se nos obrigasse a alcançar coisa que nunca poderíamos obter. Por isso, deve-se dizer que nos leva precisamente a buscá-lo no acto em que inflama o desejo humano com as suas centelhas.


Marsílio Ficino, Theologia Platónica



quinta-feira, novembro 24, 2005

Alicerçando Imagens # 86 - Jean-Michel Basquiat 1960/1988



Early Moses, 1983, acrílico e pastel de óleo sobre tela, 198x151cm, Galeria Bruno Bischofberger, Zurique

quarta-feira, novembro 23, 2005

Alicerçando Poesia # 144 - Safo


"É a coisa mais bela da terra,
uma fila de cavaleiros" diz. "Não,
de infantes". "Não, de navios". E eu penso,
belo é o que se ama.
Fazê-lo compreender é coisa muito fácil
para cada um. Helena, que via
a Beleza de muitos, escolheu como seu
homem e o melhor
aquele que apagou a luz de Tróia:
esqueceu a filha, os pais,
e foi para longe, para onde quer Cípris,
porque o amava. [...]
Quem é belo, é-o enquanto está debaixo
dos olhos,
quem também é bom, é-o agora e sê-lo-á
depois.


Safo



terça-feira, novembro 22, 2005

Alicerçando Palavras # 111 - Platão


Portanto, o que deveríamos nós pensar - disse - se, acontecesse de alguém ver o Belo em si absoluto, puro, não misturado e, de modo nenhum, contaminado por carnes humanas e por cores e por outras pequenezas mortais, mas pudesse contemplar como forma única o próprio Belo divino? Ou, porventura, tu considerarias - disse - que pouco valeria a vida de um homem que olhasse para lá e contemplasse aquele Belo com aquilo que se deve contemplar e permanecesse unido a ele? Não pensarás, antes - acrescentou -, que, aqui olhando para a beleza somente com aquilo com o que é visível, esse tal gerará não já puras imagens de virtude, pois já não se aproxima de uma pura imagem de belo, mas dará à luz virtudes verdadeiras, já que se aproxima do Belo Verdadeiro? E não acredites que, gerando e cultivando a virtude verdadeira, será querido aos deuses, e será, como nunca outro homem foi, também ele imortal?

Estas coisas, Fedro, e vós outros, disse-me Diotina, e eu fiquei convencido. E, assim persuadido, tratei de persuadir também os outros três que para atingir este objectivo não se poderia facilmente encontrar para a natureza humana melhor colaborador do que Eros.


Platão, Simpósio



domingo, novembro 20, 2005

Alicerçando Imagens # 85 - Silva Porto 1850/1893


Depois da visita à Casa dos Patudos em Alpiarça um quadro de Silva Porto. Infelizmente não consegui encontrar nenhum dos que lá se encontram.




óleo sobre tela

sexta-feira, novembro 18, 2005

Alicerçando Poesia # 143 - António Pedro 1909/1966


“Se houve engano de olhos...”

Se houve engano de olhos,
Nunca esta alma minha
Se levou dos olhos,
Bem amada minha.

Olhos de alma, claros
Pela tua graça
E onde o teu sorriso
Namorado passa.

- Meu sorriso, aberto,
Porque é derradeiro,
Este foi, decerto,
Meu amor primeiro.

quinta-feira, novembro 17, 2005

Alicerçando Poesia # 142 - Delfina Muschietti - Argentina


Atardecer en Punta Rubia

El páramo
de los barrancos
baja marrón
hueco desierto
hacia la arena
y los ojos de la lechucita
que insiste
parada en el camino.
Llega el olor del pasto
alto seco
amarillo
al atardecer
vibra un insecto
allí cruzando el aire
con su sonido: en el borde
el solo silencio
se mete en el mar
como una cuña
con la mirada un mosaico
de luz mediterránea
azul feroz
si el cielo es un plano
inexistente
/ África / América del Sur /
en la ojos sitiados
por el sol que cae
abanicándose
la apenas fría brisa
que sacude levanta
el polvo del amino
hiende
el verde quebradizo
del pajonal.



Interiores

(Sólo consigo
se cierra para sí
para ella)

Extendida
sobre el cuerpo del sueño
de los labios hacia adentro:
una superficie desierta
viene del mar
y se abre como estela
en el cielo,
se disuelve
en el gusto de los párpados dormidos.

Se teme
no haber hablado nada
con nadie
jamás
en el interior de la boca
el silencio se hunde
como un animal submarino
lengua
parte las aguas
una aleta que brilla
ciega
en el coral del aire.

quarta-feira, novembro 16, 2005

Alicerçando Poesia # 141 - Charles Cros 1842/1888


Je sais faire des vers perpétuels. Les hommes
Sont ravis à ma voix qui dit la vérité.
La suprême raison dont j'ai fier, hérité
Ne se payerait pas avec toutes les sommes.


J'ai tout touché : le feu, les femmes et les pommes;
J'ai tout senti : l'hiver, le printemps et l'été;
J'ai tout trouvé, nul mur ne m'ayant arrêté.
Mais Chance, dis-moi donc de quel nom tu te nommes?


Je me distrais à voir à travers les carreaux
Des boutiques, les gants, les truffes et les chèques
Où le bonheur est "un" suivi de six zéros.


Je m'étonne, valant bien les rois, les évêques,
Les colonels et les receveurs généraux
De n'avoir pas de l'eau, du soleil, des pastèques.

terça-feira, novembro 15, 2005

Alicerçando Fotos # 17


As muitas ondas do meu país.






daqui

segunda-feira, novembro 14, 2005

Alicerçando Poesia # 140 - Robert Frost 1874-1963







The Road Not Taken

Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;

Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same,

And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way,
I doubted if I should ever come back.

I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I –
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.


domingo, novembro 13, 2005

Alicerçando Imagens # 84 - Gao Jianfu 1936






Gao Jianfu
Pine Tree
1936
hanging scroll, ink and color on paper
133 x 69 cm
Hongkong Museum of Art, Provisional Urban Council




The pine tree is usually an auspicious image in Chinese painting, but this pessimistic work, painted on the eve of the Japanese invasion, bears an ominous inscription: "The ghostly lamp shines like [dark] varnish on the pine blossoms."

sexta-feira, novembro 11, 2005

Alicerçando Palavras # 110 - Fernando Pessoa


A confecção destas obras não manifesta um qualquer estado de opinião metafísica. Quero dizer: com o escrever estes "aspectos" da realidade, totalizados em pessoas que os tivessem, não pretendo uma filosofia que insinue que só há de real o haver aspectos de uma realidade ou elusiva, ou inexistente. Não tenho, nem essa crença filosófica, nem a crença filosófica contrária. Adentro do meu mester, que é literário, sou um profissional, no sentido superior que o termo tem; isto é, sou um trabalhador científico, que a si não permite que tenha opiniões estranhas à especialização literária, a que se entrega. E o não ter nem esta, nem aquela, opinião filosófica a propósito da confecção destas pessoas-livros, tão-pouco deve induzir a crer que sou um céptico. A questão está num plano onde a especulação metafísica, porque não entra legitimamente, escusa de ter estes, ou aqueles caracteres. Como o físico não tem metafísica no seu laboratório, e a não tem o clínico nos diagnósticos que faça, [?] não porque a não possa ter, mas porque (...) assim o problema metafísico meu não existe, porque não pode, nem tem que existir adentro das capas destes meus livros de outros.

Páginas Intimas e de Auto-Interpretação



Alicerçando Fotos # 16


Cada vez mais gosto de fotografias a preto e branco.



Fortaleza da Barra Grande, Ilha de Santo Amaro, São Paulo - Brasil


daqui

quinta-feira, novembro 10, 2005

Alicerçando Poesia # 139 - Ruy Belo


E Tudo Era Possível



Na minha juventude antes de ter saído
de casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido.



Chegava o mês de Maio, em tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido.



E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída.
Quando foi isso? Eu próprio não sei dizer.



Só sei que tinha o poder de uma criança,
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer...


quarta-feira, novembro 09, 2005

Alicerçando Palavras # 109 - José de Almada Negreiros


Fernando Pessoa - O Poeta Português

por José de Almada Negreiros




Não tenho uma carta de Fernando Pessoa. A nossa convivência de vinte cinco anos foi exclusivamente feita pela Arte. E faz-me crer que Fernando Pessoa não manteve, fora da sua família, intimidade de outra espécie com ninguém. Ou de Arte ou nenhuma.

Na dedicatória da "Cena do Ódio" escrevi: "A Álvaro de Campos com a dedicação intensa de todos os meus avatares". Por seu lado, na mesma época (1915) Fernando Pessoa dedicava-me "A passagem das horas" com estas palavras: "Almada Negreiros, você não imagina como eu lhe agradeço o facto de você existir." Estas dedicatórias são as das nossas próprias obras. Nunca em admirei mais a alguém, e nunca ninguém soube ser tão francamente generoso para comigo!

Ao entregar-lhe um exemplar do nº 1 dos meus cadernos SW, escrevi esta linha: "A Fernando Pessoa, ao melhor companheiro literário que um autor possa alguma vez encontrar".

Fiz a citação destas dedicatórias para que melhor se veja como apenas a Arte é o bastante para fornecer a amizade.

Quero lembrar-me nas nossas conversas de alguma coisa que melhor sirva de seu retrato para hoje, e recordo estas palavras de Fernando Pessoa:

"Você não me verá nunca escrever sobre quem quer que seja senão literariamente acerca do literato. O espírito crítico afasta-se da convivência com os que conhecemos mais perto e chegamos a estimar. É indispensável que alguém fique de fora para julgar. Ficar fora do que se sabe que fica lá dentro é ser crítico. À parte isto, há outros sobre os quais nunca escreverei: aqueles que têm voz própria. Acho que juntar mais uma opinião à de um autor que já a tem, não é fazer crítica, é querer ser crítico. São bem raros aqueles que puseram o dedo em si próprios, e a crítica não pode ir mais longe do que isto.

Mas quanto um poeta nasce nos seus próprios versos, devemos querê-lo através de tudo; e o crítico, sem deixar de o ser, cede espaço ao arauto. Porque a idade perigosa dos poetas é a dos versos. Quantos poetas morreram nos seus próprios versos! Quantos versos ficaram sem o seu poeta."

Não conheci exemplo igual ao de Fernando Pessoa: o do homem substituído pelo poeta!

Esta sobreposição do poeta ao homem, outro que não Fernando Pessoa poderia tê-la feito mal. Mas ele tinha posto efectivamente toda a sua vida na Poesia; ele é exactamente o poeta dos seus versos.

A esta cedência do homem ao poeta, chamem-lhe renúncia, convento, morfina, clausura, segredo de resistir, chame-lhe o que quiser, mas Fernando Pessoa fê-lo bem, com inteireza, com altura e com as suas próprias posses.

E até que um dia de 1935 o poeta foi pessoalmente enterrar o corpo que o acompanhou toda a vida. Ficou só o poeta, aceso em olhos perenes de Portugal, do Mundo e do Futuro. Ficou só o poeta, o único poeta que não viu as suas próprias aventuras naturais de homem.

(...)

É nestas circunstâncias que reconheço em Fernando Pessoa o melhor exemplo do português de hoje, e o menos passageiro. Um exemplo de português no mundo e no futuro, aqui no Portugal de hoje. Foram também assim desta maneira todos os melhores exemplos na História Portuguesa e nas outras.

Mas se por ventura Portugal é uma terra de Poetas, oficialmente não o é: O heroísmo da independência espiritual do homem, só um poeta o saberá ver noutro poeta. Mais ninguém! Os portugueses parece estarem ainda no momento de não suporem a independência senão quanto à sua nacionalidade, isto é, ainda não supõem a independência da nossa nacionalidade.

Em todo o caso eu, que sou pelo menos tão português como qualquer outro, tenho a honra de publicar que não fomos nunca nós, os seus companheiros, que, em nenhuma circunstância da vida, lhe negámos o seus primeiro lugar!

Os mortos têm uma paz que chega a ser a inveja dos vivos. Dessa paz ergue-se o silêncio que fala a quem o escute. Aos que me possam crer aqui lhes juro ter ouvido o silêncio dizer: "A grande diferença entre Arte e Política é a de que a Arte não tem ódios."

E não haja confusões, senhores! Fernando Pessoa foi exclusivamente poeta: o poeta português Fernando Pessoa.



(In "Diário de Lisboa", 6 de Dezembro de 1935)
retirado de FERNANDO PESSOA - O Rosto e as Máscaras, David Mourão-Ferreira



terça-feira, novembro 08, 2005

Alicerçando Imagens # 83 - Jin Nong 1687-1764






Painting by Jin Nong (1687-1764)

Dated 1754.
Ink on paper. 24.9 x 31.7 cm.
Tianjin Municipal Art Museum.

segunda-feira, novembro 07, 2005

Alicerçando Poesia # 138 - Guerra Junqueira


A Moleirinha


Pela estrada plana, toque, toque, toque
Guia o jumentinho uma velhinha errante
Como vão ligeiros, ambos a reboque,
Antes que anoiteça, toque, toque, toque
A velhinha atrás, o jumentinho adiante!...



Toque, toque, a velha vai para o moinho,
Tem oitenta anos, bem bonito rol!...
E contudo alegre como um passarinho,
Toque, toque, e fresca como o branco linho,
De manhã nas relvas a corar ao sol.



Vai sem cabeçada, em liberdade franca,
O jerico ruço duma linda cor;
Nunca foi ferrado, nunca usou retranca,
Tange-o, toque, toque, moleirinha branca
Com o galho verde duma giesta em flor.



Vendo esta velhita, encarquilhada e benta,
Toque, toque, toque, que recordação!
Minha avõ ceguinha se me representa...
Tinha eu seis anos, tinha ela oitenta,
Quem me fez o berço fez-lhe o seu caixão!...



Toque, toque, toque, lindo burriquito,
Para as minhas filhas quem mo dera a mim!
Nada mais gracioso, nada mais bonito!
Quando a virgem pura foi para o Egipto,
Com certeza ia num burrico assim.



Toque, toque, é tarde, moleirinha santa!
Nascem as estrelas, vivas, em cardume...
Toque, toque, toque, e quando o galo canta,
Logo a moleirinha, toque, se levanta,
Pra vestir os netos, pra acender o lume...



Toque, toque, toque, como se espaneja,
Lindo o jumentinho pela estrada chã!
Tão ingénuo e humilde, dá-me, salvo seja,
Dá-me até vontade de o levar à igreja,
Baptizar-lhe a alma, prà fazer cristã!



Toque, toque, toque, e a moleirinha antiga,
Toda, toda branca, vai numa frescata...
Foi enfarinhada, sorridente amiga,
Pela mó da azenha com farinha triga,
Pelos anjos loiros com luar de prata!



Toque, toque, como o burriquito avança!
Que prazer d'outrora para os olhos meus!
Minha avó contou-me quando fui criança,
Que era assim tal qual a jumentinha mansa
Que adorou nas palhas o menino Deus...



Toque, toque, é noite... ouvem-se ao longe os sinos,
Moleirinha branca, branca de luar!...
Toque, toque, e os astros abrem diamantinos,
Como estremunhados querubins divinos,
Os olhitos meigos para a ver passar...



Toque, toque, e vendo sideral tesoiro,
Entre os milhões d'astros o luar sem véu,
O burrico pensa: Quanto milho loiro!
Quem será que mói estas farinhas d'oiro
Com a mó de jaspe que anda além no Céu!




OS SIMPLES




Nota: Tenho por este poema uma ternura especial pois quando o leio lembro-me da criança de bibe azul trauteando-o no Jardim Escola João de Deus onde tive o privilégio de andar. Era um dos muitos poemas musicados que nós aprendiamos e, sem o saber, estávamos a aprender a gostar de poesia, de música e a desenvolver a nossa memória (o que aqui para nós não me fez mal nenhum, antes pelo contrário!).

sábado, novembro 05, 2005

Alicerçando Palavras # 108 - Arturo Pérez-Reverte


Acendeu o cigarro, protegendo a chama do isqueiro na cova das mãos, esperou que arrefecesse e voltou a metê-lo sob a alça do soutien sem prestar atenção ao modo como Quart seguia os seus movimentos. Sumida na recordação do capitão Xaloc.

- Foi essa a homenagem do meu avô - prosseguiu, com a brasa do cigarro entre os dedos - à memória da sua irmã e ao homem que poderia ter sido seu cunhado. A igreja é agora o que deles resta. A igreja e as recordações de Carlota, as cartas e o resto - olhou para Quart como se subitamente tivesse recordado a sua presença. - Incluindo o postal.

- Resta também você e a sua memória.

O luar bastava para iluminar o sorriso de Macarena. Não havia nele uma ponta de alegria ou bem-estar.

- Eu morrerei, como morreram os outros - disse em voz baixa. - E o baú e aquilo que contém acabarão num leilão, entre objectos cobertos de pó - aspirou uma baforada de fumo e expeliu-a rapidamente, quase com despeito. - Como tudo acaba.

Quart sentara-se junto dela. Os seus ombros roçavam-se ao de leve, mas não fez esforço algum para aumentar a distância. Era grato estar próximo. Chegava até ele o aroma suave do jasmim misturado com o do tabaco claro.

- Por isso trava a sua batalha.


Arturo Pérez-Reverte, A Pele do Tambor, Editorial Presença



sexta-feira, novembro 04, 2005

Alicerçando Imagens # 82 - Delacroix


Mais uma página do livro de notas de viagens de Delacroix. Estas imagens andam a perseguir-me.





quinta-feira, novembro 03, 2005

Alicerçando Poesia # 137 - Lêdo Ivo


A Passagem


Que deixem passar- eis o que peço
diante da porta ou diante do caminho.
E que ninguém me siga na passagem.
Não tenho companheiros de viagem
nem quero que ninguém fique ao meu lado.
Para passar, exijo estar sozinho,
somente de mim mesmo acompanhado.
Mas caso me proíbam de passar
por ser eu diferente ou indesejado
mesmo assim passarei.
Inventarei a porta e o caminho.
E passarei sozinho.


quarta-feira, novembro 02, 2005

Alicerçando Fotos # 15





Retirado daqui.

terça-feira, novembro 01, 2005

Alicerçando Poesia # 136 - Paul Eluard


La nuit n'est jamais complète
Il y a toujours puisque je le dis
Puisque je l'affirme
Au bout du chagrin une fenêtre ouverte
Une fenêtre éclairée.