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segunda-feira, novembro 01, 2004

Alicerçando Palavras # 14 - Erri de Luca



Leio livros usados porque as páginas muito folheadas e com a gordura dos dedos pesam mais nos olhos, porque cada exemplar de um livro pode pertencer a muitas vidas e os livros deviam estar à disposição de todos nos sítios públicos e andarem com os passantes que os levam consigo por algum tempo e deveriam morrer com eles, consumidos pelas provações, infectados, afogados de uma ponte abaixo juntamente com os suícidas, enfiados numa salamandra no inverno, rasgados pelas crianças para fazerem barquinhos, em resumo onde tivessem de morrer, salvo de aborrecimento e de propriedade privada, condenados para toda a vida numa estante.



*****


E assim me vejo a passar o dia no jardim a tratar das árvores e das flores e a estar calado de muitos modos e dentro de um ou outro pensamento de passagem, uma canção, a pausa de uma nuvem que tira sol e peso das costas.

Atravesso o campo com uma nova macieira para plantar.

Pouso-a, giro-a, olho os seus ramos mal despontados à procura de sítio no espaço em redor.

Uma árvore precisa de duas coisas: substância debaixo da terra e beleza fora dela. São criaturas concretas mas move-as uma força de elegância. A beleza de que precisam é vento, luz, pássaros, grilos, formigas e uma meta de estrelas para onde apontar a forma dos ramos.

O motor que nas árvores faz subir a linfa para o alto é a beleza, porque na natureza só a beleza contradiz a gravidade.

Sem beleza a árvore não quer. Por isso paro num ponto do campo e pergunto: "Que queres?"

Não espero por resposta, um sinal no punho com que seguro o seu tronco, mas gosto de dizer uma palavra à árvore. Ela sente as bordas, os horizontes e procura um ponto exacto para crescer.

Uma árvore escuta cometas, planetas, maciços e enxames. Sente as tempestades sob o sol e as cigarras em cima com o mesmo cuidado da vigília. Uma árvore é uma aliança entre o próximo e a perfeita distância.

Se vem de um viveiro e tem de ganhar raiz num solo desconhecido, sente-se confusa como um rapaz do campo no primeiro dia de fábrica. Por isso a levo a dar uma volta antes de lhe cavar um sítio.

Erri de Luca, Três Cavalos, Ambar