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sexta-feira, janeiro 28, 2005

Alicerçando Poesia # 47 - Cecília Meireles



Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.


Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?


Coração de Pedra

Oh, quanto me pesa
êste coração, que é de pedra!
Êste coração que era de asas
de música e tempo de lágrimas.

Mas agora é sílex e quebra
qualquer dura ponta de seta.

Oh, como não me alegra
ter êste coração de pedra!

Dizei por que assim me fizestes,
vós todos a quem amaria,
mas não amarei, pois sois êstes
que assim me deixastes, amarga,
sem asas, sem música e lágrimas,
assombrada, triste e severa
e com meu coração de pedra!

Oh, quanto me pesa
ver meu próprio amor que se quebra!
O amor que era mais forte e voava
mais que qualquer seta!



Apresentação

Aqui está minha vida - esta areia tão clara
com desenhos de andar dedicados ao vento.

Aqui está minha voz - esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu próprio lamento.

Aqui está minha dor - êste coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.

Aqui está minha herança - êste mar solitário
que de um lado era amor e, de outro, esquecimento.




Improviso de Amor-Perfeito

Naquela nuvem, naquela,
mando-te meu pensamento:
que Deus se ocupe do vento.

Os sonhos foram sonhados,
E o padecimento aceito.
E onde estás, Amor-Perfeito?

Imensos jardins da insónia,
de um olhar de despedida
deram flor por tôda a vida.

Ai de mim que sobrevivo
sem o coração no peito.
E onde estás, Amor-Perfeito?

Longe, longe, atrás do oceano
que nos meus olhos se alteia,
entre pálpebras de areia...

Longe, longe... Deus te guarde
sôbre o seu lado direito,
comeu eu te guardava do outro,
noite e dia, Amor-Perfeito.