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sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Alicerçando Palavras # 41 - Umberto Eco


Entrar na universidade dois anos depois de sessenta e oito é como ter sido admitido na Academia de Saint-Cyr em noventa e três. Tem-se a impressão de se ter enganado no ano de nascimento. Por outro lado, Jacopo Belbo, que pelo menos tinha uns quinze anos mais do que eu, convenceu-me mais tarde de que esta é uma sensação que experimentam todas as gerações. Nasces-se sempre sob o signo errado e estar no mundo de maneira digna quer dizer corrigir todos os dias o seu próprio horóscopo.

Creio que nos tornamos aquilo que o nosso pai nos ensinou nos tempos mortos, quando não tinha a preocupação de educar-nos. Formamo-nos sobre o refugo da sabedoria. Ao dez anos eu queria que os meus pais me fizessem uma assinatura de um certo semanário que publicava as obras-primas da literatura em quadradinhos. Não por sovinice, mas talvez por desconfiança em relação à banda desenhada, o meu pai não se dispunham a ceder. “O objectivo desta revista”, sentenciei então, citando o lema da série, porque eu era um rapaz esperto e persuasivo, “no fundo é o de educar de modo agradável”. O meu pai, sem levantar os olhos do seu jornal, disse-me: “O objectivo do teu jornal é o mesmo de todos os jornais, que é o de vender o máximo de exemplares que puderem.”

Naquele dia comecei a tornar-me incrédulo.

Isto é, arrependi-me de ter sido crédulo. Tinha-me deixado levar por uma paixão da mente. É isto a credulidade.

Não é que o incrédulo não possa acreditar em nada. Simplesmente, não acredita em tudo. Acredita numa coisa de cada vez, e só numa segunda se de qualquer maneira derivar da primeira. Procede de modo míope, metódico, não arrisca horizontes. De duas coisas que não estejam ligadas, acreditar em ambas, e com a ideia de que há-de haver em qualquer parte uma terceira oculta a uni-las, isto é que é a credulidade.

A incredulidade não exclui a curiosidade, conforta-a. Desconfiado das correntes de ideias, das ideias eu gostava da polifonia. Basta não acreditar nelas, e duas ideias – ambas falsas – podem colidir criando um bom intervalo ou um diabolus in musica. u não respeitava as ideias em que outros apostavam a vida, mas duas ou três ideias que eu não respeitava podiam criar melodia. Ou ritmo, melhor se for jazz.

Mais tarde Lia dir-me-ia: “Tu vives de coisas superficiais. Quando pareces ser profundo é porque encaixas muitas superfícies, e arranjas a aparência de um sólido – um sólido que se fosse sólido não se aguentaria em pé.”

“Estás a dizer que eu sou superficial?”

“Não”, respondeu-me. “aquilo a que os outros chamam profundidade é só um tesseract, um cubo tetradimensional. Entras por um lado, sais pelo outro, e dás contigo num universo que não pode coexistir com o teu.”



Umberto Eco, O Pêndulo de Foucault, Difel, Lisboa, p. 49