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sábado, julho 16, 2005

Alicerçando Poesia # 100 - Fernando Pessoa & Ca.



Retrato de Fernando Pessoa por Almada Negreiros




Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos

XVI

Quem me dera que a minha vida fôsse um carro de bois
Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada,
E que para de onde veio volta depois
Quase à noitinha pela mesma estrada.

Eu não tinha que ter esperanças - tinha só que ter rodas...
A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco...
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.



*** * ***



Álvaro de Campos

Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
Ou metade dêsse intervalo, porque também há vida...
Sou isso, enfim...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossêgo de mim mesmo.
É um universo barato.



*** * ***



Ricardo Reis

(17-7-1914)

Não consentem os deuses mais que a vida.
Tudo pois refusemos, que nos alce
A irrespiráveis píncaros,
Perenes sem ter flôres.
Só de aceitar tenhamos a ciência,
E, enquanto bate o sangue em nossas fontes,
Nem se engelha connosco
O mesmo amor, duremos,
Como vidros, às luzes transparentes
E deixando escorrer a chuva triste,
Só mornos ao sol quente,
E refletindo um pouco.




*** * ***



Cancioneiro

13-9-1933

Tudo que faço ou medito
Fica sempre na metade.
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.

Que nojo de mim me fica
Ao olhar para o que faço!
Minha alma é lúcida e rica,
E eu sou um mar de sargaço -

Um mar onde bóiam lentos
Fragmentos de um mar de além...
Vontades ou pensamentos
Não o sei e sei-o bem.



*** * ***



Dispersas


Além-Deus
(1913?)

I
ABISMO

Olho o Tejo, e de tal arte
Que me esquece estar olhando,
E súbito isto me bate
De encontro ao devaneando -
O que é ser-rio, e correr?
O que é está-lo eu a ver?

Sinto de repente pouco,
Vácuo, o momento, o lugar.
Tudo de repente é ôco -
Mesmo o meu estar a pensar.
Tudo - eu e o mundo em redor -
Fica mais que exterior.

Perde tudo o ser, ficar,
E do pensar se me some.
Fico sem poder ligar
Ser, idéia, alma de nome
A mim, à terra e aos céus...

E súbito encontro Deus.

II
PASSOU

Passou, fora de Quando,
De Porquê, e de Passando...,

Turbilhão de Ignorado,
Sem ser turbilhonado...,

Vasto por fora do Vasto
Sem ser, que a si se assombra...

O universo é o seu rasto...
Deus é a sua sombra...


III
A VOZ DE DEUS

Brilha uma voz na noute...
De dentro de Fora ouvi-a..
Ó Universo, eu sou-te...
Oh, o horror da alegria
Dêste pavor, do archote
Se apagar, que me guia!

Cinzas de idéia e de nome
Em mim, e a voz: Ó mundo,
Sermente em ti eu sou-me...
Mero eco de mim, me inundo
De ondas de negro lume
Em que pra Deus me afundo.


IV
A QUEDA

Da minha idéia do mundo
Caí...
Vácuo além de profundo,
Sem ter Eu nem Ali...

Vácuo sem si-próprio, caos
De ser pensado como ser...
Escada absoluta sem degraus...
Visão que se não pode ver...

Além-Deus! Além-Deus! Negra calma...
Clarão de Desconhecido...
Tudo tem outro sentido, ó alma,
Mesmo o ter-um-sentido...


V
BRAÇO SEM CORPO BRANDINDO UM GLÁDIO

Entre a árvore e o vê-la
Onde está o sonho?
Que arco da ponte mais vela
Deus?... E eu fico tristonho
Por não saber se a curva da ponte
É a curva do horizonte...

Entre o que vive e a vida
Pra que lado corre o rio?
Árvore de fôlhas vestida -
Entre isso e Árvore há fio?
Pombas voando - o pombal
Está-ljes sempre à direita, ou é real?

Deus é um grande Intervalo,
Mas entre que e quê?
Entre o que digo e o que calo
Existo? Quem é que me vê?
Erro-me... E o pombal elevado
Está em tôrno na pomba, ou de lado?


*** * ***



Inéditas


SÁ CARNEIRO

1934

Nesse número do Orpheu que há de ser feito com rosas e estrêlas em um mundo novo.

Nunca supus que isto que chamam morte
Tivesse qualquer espécie de sentido...
Cada um de nós, aqui aparecido,
Onde manda a lei certa e a falsa sorte,

Tem só uma demora de passagem
Entre um comboio e outro, entroncamento
Chamado o mundo, ou a vida, ou o momento;
Mas, seja como fôr, segue a viagem.

Passei, embora num comboio expresso
Seguisses, e adiante do em que vou;
No términus de tudo, ao fim lá estou
Nessa ida que afinal é um regresso.

Porque na enorme gare onde Deus manda
Grandes acolhimentos se darão
Por cada prolixo coração
Que com seu próprio ser vive em demanda.

Hoje, falho de ti, sou dois a sós.
Há almas pares, as que conheceram
Onde os sêres são almas.

Como éramos só um, falando! Nós
Éramos como um diálogo numa alma.
Não sei se dormes [...] calma,
Sei que, falho de ti, estou um a sós.

É como se esperasse eternamente
A tua vida certa e conhecida
Aí embaixo, no Café Arcada -
Quase no extremo dêste [...]

Aí onde escreveste aquêles versos
Do trapézio, doriu-nos [...]
Aquilo tudo que dizes do Orpheu.

Ah, meu maior amigo, nunca mais
Na paisagem sepulta desta vida
Encontrarei uma alma tão querida
Às coisas que em meu ser são as reais.

[...]

Não mais, não mais, e desde que saíste
Desta prisão fechada que é o mundo,
Meu coração é inerte e infecundo
E o que sou é um sonho que está triste.

Porque há em nós, por mais que consigamos
Ser nós mesmos a sós sem nostalgia,
Um desejo de têrmos companhia -
O amigo como êsse que a falar amamos.




*** * ***




Quadras ao gosto popular

Tenho uma pena que escreve
Aquilo que eu sempre sinta.
Se é mentira, escreve leve.
Se é verdade, não tem tinta.




Santo Antônio de Lisboa
Era um grande pregador
Mas é por ser Santo Antônio
Que as moças lhe têm amor.


Tenho um relógio parado
Por onde sempre me guio.
O relógio é emprestado
E tem as horas a fio.