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quarta-feira, setembro 07, 2005

Alicerçando Palavras # 95 - Umberto Eco


CONVERSA EM BABILÓNIA


(Entre o Tigre e o Eufrates, à sombra dos jardins suspensos, há não muitos milhares de anos atrás)



URUK – Gostas destes cuneiformes? O meu sistema de servo-escritura, numa dezena de horas, compôs-me todo o começo do código de Hamurabi.

NIMROD – O que é isso? É um Apple Nominator da Eden Valley?

URUK – Estás maluco? Esses não os aceitam em devolução nem no mercado de escravos de Tiro. Não, este é um servo-escritor egípcio, um Toth 3Megis-Dos. Consome muito pouco, um punhado de arroz por dia e escreve até hieróglifos.

NIMROD – Enches-lhe a memória para nada.

URUK – Mas formata enquanto copia. Já não precisa de um servoformatador que pega na argila, molda a tábua, a põe ao sol para secar e depois um outro escreve. Ele molda, seca ao fogo e escreve directamente.

NIMROD- Mas usa tábuas de 5,25 cúbitos egípcios e deve pesar uns sessenta quilos. Porque é que não arranjas um portátil?

URUK – O quê? Um daqueles visores caldeus com cristais líquidos? Coisas de Magos.

NIMROD - Não, um servo-escritor anão, um pigmeu africano adaptado em Sídon. Sabes como são os Fenícios, copiam tudo dos Egípcios, mas depois miniaturizam. Olha: laptop, escreve sentado mesmo em cima dos teus joelhos.

URUK – Que nojo, ainda por cima é corcunda.

NIMROD – Pudera, aplicaram-lhe uma placa nas costas para o backup rápido. Uma chicotada e escreve directamente em Alfa-Beta,, vês, em vez do graphic mode usa um text mode, com vinte e um caracteres fazes tudo. Compactas o código de Hamurabi em poucas tábuas de 3,5.

URUK – E depois tens de comprar também um servotradutor.

NIMROD – De maneira nenhuma. O anão tem o tradutor incorporado, mais uma chicotada e transcreve em cuneiforme.

URUK – Também faz a parte gráfica?

NIMROD – Evidentemente. Não vês que é de cor? Quem pensas que fez todos os planos para a Torre?

URUK – Confias nele? Na volta, ainda cai tudo.

NIMROD – Imagina. Instalei na memória o Pytagoras e o Memphis Lotus. Tu dás-lhe as medidas planas, uma chicotada e ele projecta um zigurate em três dimensões. Os Egípcios para as pirâmides precisavam ainda do sistema Moses de dez comandos, que requeria um link de dez mil servo construtores. E não eram nada friendly. Tudo hardware obsoleto que tiveram de deitar no mar Vermelho, até as águas se levantarem.

URUK – E quanto ao cálculo?

NIMROD – Fala até em Zodiak. Num instante mostra-te o teu horóscopo e what you see is what you get.

URUK – É muito caro?

NIMROD – Olha, se o comprares aqui não te chega a colheita de uma época, mas se fores buscar nas pequenas feitas de Byblos podes obtê-lo por um saco de sementes. É claro, tens de o alimentar bem, senão já sabes, garbage in garbage out.

URUK – Mesmo assim, ainda me dou bem com o meu egípcio. Se o teu anão é compatível com o meu 3Megis-Dos, não poderias pô-lo a ensinar-lhe ao menos o Zodiak?

NIMROD – Seria ilegal, porque quando o compras tens de jurar que é para uso pessoal. Mas no fundo toda a gente faz isso, está bem, pomo-los em contacto. Só que não queria que o teu tivesse o vírus.

URUK
– Está são como um pêro. O que mais me assusta é que cada dia que passa sai uma nova linguagem e no fim ainda acabamos por confundir os programas todos.

NIMROD – Descansa, aqui em Babel não, em Babel não.


(1991)



Umberto Eco, O Segundo Diário Mínimo, Difel, Lisboa, 1993