Alicerçando Palavras # 108 - Arturo Pérez-Reverte
Acendeu o cigarro, protegendo a chama do isqueiro na cova das mãos, esperou que arrefecesse e voltou a metê-lo sob a alça do soutien sem prestar atenção ao modo como Quart seguia os seus movimentos. Sumida na recordação do capitão Xaloc.
- Foi essa a homenagem do meu avô - prosseguiu, com a brasa do cigarro entre os dedos - à memória da sua irmã e ao homem que poderia ter sido seu cunhado. A igreja é agora o que deles resta. A igreja e as recordações de Carlota, as cartas e o resto - olhou para Quart como se subitamente tivesse recordado a sua presença. - Incluindo o postal.
- Resta também você e a sua memória.
O luar bastava para iluminar o sorriso de Macarena. Não havia nele uma ponta de alegria ou bem-estar.
- Eu morrerei, como morreram os outros - disse em voz baixa. - E o baú e aquilo que contém acabarão num leilão, entre objectos cobertos de pó - aspirou uma baforada de fumo e expeliu-a rapidamente, quase com despeito. - Como tudo acaba.
Quart sentara-se junto dela. Os seus ombros roçavam-se ao de leve, mas não fez esforço algum para aumentar a distância. Era grato estar próximo. Chegava até ele o aroma suave do jasmim misturado com o do tabaco claro.
- Por isso trava a sua batalha.
Arturo Pérez-Reverte, A Pele do Tambor, Editorial Presença
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