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domingo, março 19, 2006

Alicerçando Palavras # 103 - Fernando Pessoa


Carta requerendo o lugar de conservador-bibliotecário do Museu-Biblioteca Castro de Guimarães em Cascais



Exma. Comissão Administrativa do Museu-Biblioteca Conde de Castro Guimarães


Fernando Nogueira Pessoa, solteiro, maior, escritor, residente em Lisboa, na Rua Coelho da Rocha, número dezasseis, primeiro andar, e provisòriamente em Cascais, na Rua Oriental do Passeio, porta dois, vem concorrer perante V.Exa ao lugar de conservador do Museu-Biblioteca Conde de Castro Guimarães, com os fundamentos seguintes, expostos no termo do artigo 6º e seus §§, do Regulamento do Museu-Biblioteca, conforme estão transcritos no anúncio inserto em O Século, de Lisboa, do dia 1 do mês corrente.



O requerente tem 44 anos de idade, é natural de Lisboa, freguesia dos Mártires, e filho legítimo de Joaquim Seabra Pessoa e de D. Maria Madalena Nogueira Pessoa, ambos já falecidos. Não junta certidão de idade, nem, aliás, certidão de registo criminal, por o citado artigo 6º e seus §§ não exigirem, nem explicita nem implìcitamente, outros documentos que não sejam os rigorosamente precisos para apreciar a afirmação das habilitações neles indicadas, como motivos de preferência.



São as seguintes as habilitações do requerente, expostas nos termos do citado artigo e seus §§, pela ordem dos mesmos §§, e com o apoio documental que irá sendo indicado no decurso da presente exposição:



§ 1 - O requerente tem o Curso ou Exame Intermédio da Universidade (inglesa) do Cabo da Boa Esperança, como prova com a respectiva carta. À parte isto, foi concedido ao requerente, na mesma Universidade, o Prémio Rainha Vitória, de estilo inglês, como prova com a carta oficial assinada pelo secretário arquivista da Universidade, em que se comunica ao requerente a concessão do prémio. Juntam-se os 2 citados documentos. § 3 - O requerente tem uma já extensa colaboração dispersa por várias revistas portuguesas, de onde se lhe advém o ser hoje conhecido no País, sobretudo entre as novas gerações, a um ponto quase injustificável para quem se tem abstido de reunir em livros essa colaboração. Importa talvez citar as revistas em que essa colaboração foi ou mais assídua ou mais marcante. A Águia (nos anos 1912 a 1914), Orpheu, Centauro, Contemporânea, Presença, Athena e Descobrimento. Foi o requerente um dos directores do Orpheu, e dirigiu, conjuntamente com o pintor Ruy Vaz, a revista de arte Athena. - À abstenção do requerente de publicar livros fazem excepção os quatro folhetos em verso inglês que, destinados à Biblioteca do Museu- Biblioteca, acompanham o presente requerimento.



Quanto o serem ou não estes escritos "de reconhecido mérito", melhor o poderão V.Exas averiguar com perguntas casuais nos meios literários e artísticos portugueses do que o poderá demonstar, de modo realmente probante, qualquer documentação. O requerente chama, porém, a atenção de V.Exas para os dois estudos que lhe foram dedicados pelo jovem - e não fica mal dizer notável - crítico coimbrão João Gaspar Simões, a págs, 171 a 191 do livro Temas (Edições Presença, Coimbra, 1929) e a págs, 164 a 193 do livro O Mistério da Poesia (Coimbra, Imprensa da Universidade, 1931), assim como para o que do requerente diz Pierre Hourcade no artigo Panorama du Modernisme Littéraire ao Portugal inserto no número de Janeiro-Maio (nº1.2) do Bulletin des Études Portugaises, publicados pela Imprensa da Universidade de Coimbra e pelo Institut Français au Portugal. Quanto a opiniões, presumivelmente autorizadas, sobre os versos ingleses do requerente juntam-se as críticas que aos dois primeiros folhetos (os dois segundos não foram enviados a jornais) foram feitas pelo Suplemento Literário do Times e pelo Glasgow Herald, apresentado assim, em certo modo, opiniões representativas da crítica inglesa e escocesa.



§ 4 - Os documentos citados em referência ao § 1 e a este juntos demonstram mais do que o necessário quanto ao conhecimento que o requerente tem da língua inglesa. Quanto ao seu conhecimento da língua francesa, crê o requerente que na ausência de prova documental realmente válida (como a que tem para o inglês), o melhor que pode fazer é juntar uma folha de impressão da Contemporânea, número 7, onde, a págs. 20 e 21, vêm três canções (Trois Chansons Mortes) que escreveu em francês. - No texto do artigo 6º pròpriamente dito, do Regulamento, diz-se que é necessário que o conservador-bibliotecário seja pessoa de "reconhecida competência e idoneidade". Salvo o que de competência e idoneidade está implícito nas habilitações indicadas como motivos de preferência nos §§ di artigo e portanto se prova documentalmente pelos documentos referentes às indicações de cada §, a competência e a idoneidade não são susceptíveis de prova documental. Incluem, até, elementos, como o aspecto físico e a educação, que são indocumentáveis por natureza.



Cascais, 16 de Setembro de 1932


Fernando Nogueira Pessoa



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