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quarta-feira, dezembro 27, 2006

Alicerçando Poesia # 223 - António Nobre


Ao canto do lume


Novembro. Só! Meu Deus, que insuportável Mundo!
Ninguém, viv'alma... O que farão os mais?
Senhor! a Vida não é um rápido segundo:
Que longas estas horas! Que profundo
Spleen o destas noites imortais!

Faz tanto frio. (Só de a ver, me gela a cama...)
Que frio! Olá, Joseph! Deita mais carvão!
E quando todo se extinguir na áurea chama,
Eu deitarei (para que serve? já não ama)
Às cinzas brancas, o meu pobre coração!

Lá fora o Vento como um gato bufa e mia...
Ó pescadores, vai tão bravo o Mar!
Cautela... Orçai! Largai a escota! Ave, Maria!
Cheia de Graça... Horror! Mortos! E a água tão fria...
Que triste ver os Mortos a nadar!

Spleen! Que hei-de eu fazer? Dormir, não tenho sono,
Leva-me a carne a Dor, desgasta-me o perfil.
Nada há pior que este romântico abandono!
Ó meus Castelos-em-Espanha! Ó meu Outono
D'Alma! Ó meu cair-das-folhas, em Abril!

A Vida! Horror! Ó vós que estais no último alento!
Que felizes, sois prestes a partir!
Ó Morte, quero entrar no teu Recolhimento!...
Oiço bater. Quem é? Ninguém: um rato... o Vento...
Coitado! é o Georges, tísico, a tossir...

Mês de Novembro! Mês dos tísicos! Suando
Quantos a esta hora, não se estorcem a morrer!
Vê-se os Padres as mãos, contentes, esfregando...
Mês em que a cera dá mais e a botica, e quando
Os carpinteiros têm mais obra pra fazer...

Oiço um apito. O trem que se vai... Engatar-te
Quem me dera o vagão dos sonhos meus!
Lá passa, ao longe. Adeus! Quisera acompanhar-te...
- Boa viagem! Feliz de quem vai, de quem parte!
Coitado de quem fica... Adeus! adeus!

Que ilusão, viajar! Todo o Planeta é zero.
Por toda a parte é mau o Homem e bom o Céu.
- Américas! Japão! Índias! Calvário!... Quero
Mas é ir à Ilha orar sobre a cova do Antero
E a Águeda beber água do Botaréu...

Via a Ilha loira, o Mar! Pisei terras de Espanha,
Países raros, Neves, Areais;
Cantando, ao luar, errei nas ruas da Alemanha...
Armei na França minha tenda de campanha...
E tédio, tédio, tédio e nada mais!

Que hei-de eu fazer! Calai essas canções imundas,
Cervejarias do Quartier! Rezai, rezai!
Paisagem, onde estás? Ó luar, águas profundas!
Ó choupos, à tardinha, altivos, mas corcundas,
Tal como aspirações irrealizáveis, ai!

Não me tortura mais a Dor. Sou feliz. Creio
Em Deus, numa Outra-Vida, além do Ar.
Vendi meus livros, meu Filósofo queimei-o.
Agora, trago uma medalha sobre o seio
Com a qual falo, às noites, ao deitar.

(E a chuva cai...) Meu Deus! Que insuportável Mundo!
Viv'alma! (O Vento geme...) O que farão os mais?
Senhor! A Vida não é um rápido segundo:
Que longas horas estas horas! Que profundo
Spleen mortal o destas noites imortais!


Paris, 1890-91

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