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sábado, julho 25, 2009

Alicerçando Poesia # 374 - Herberto Helder

Bicicleta



Lá vai a bicicleta do poeta em direcção

ao símbolo, por um dia de verão

exemplar. De pulmões às costas e bico

no ar, o poeta pernalta dá à pata

nos pedais. Uma grande memória, os sinais

dos dias sobrenaturais e a história

secreta da bicicleta. O símbolo é simples.

Os êmbolos do coração ao ritmo dos pedais -

lá vai o poeta em direcção aos seus

sinais. Dá à pata

como os outros animais.



O sol é branco, as flores legítimas, o amor

confuso. A vida é para sempre tenebrosa.

Entre as rimas e o suor, aparece e des

aparece uma rosa. No dia de verão,

violenta, a fantasia esquece. Entre

o nascimento e a morte, o movimento da rosa floresce

sabiamente. E a bicicleta ultrapassa

o milagre. O poeta aperta o volante e derrapa

no instante da graça.



De pulmões às costas, a vida é para sempre

tenebrosa. A pata do poeta

mal ousa agora pedalar. No meio do ar

distrai-se a flor perdida. A vida é curta.

Puta de vida subdesenvolvida.

O bico do poeta corre os pontos cardeais.

O sol é branco, o campo plano, a morte

certa. Não há sombra de sinais.

E o poeta dá à pata como os outros animais.



Se a noite cai agora sobre a rosa passada,

e o dia de verão se recolhe

ao seu nada, e a única direcção é a própria noite

achada? De pulmões às costas, a vida

é tenebrosa. Morte é transfiguração,

pela imagem de uma rosa. E o poeta pernalta

de rosa interior dá à pata nos pedais

da confusão do amor.

Pela noite secreta dos caminhos iguais,

o poeta dá à pata como os outros animais.



Se o sul é para trás e o norte é para o lado,

é para sempre a morte.

Agarrado ao volante e pulmões às costas

como um pneu furado,

o poeta pedala o coração transfigurado.

Na memória mais antiga a direcção da morte

é a mesma do amor. E o poeta,

afinal mais mortal do que os outros animais

dá à pata nos pedais para um verão interior.





Cinco canções lacunares, in Ofício Cantante, poesia completa, Assírio & Alvim