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sexta-feira, setembro 17, 2004

ALICERÇANDO PALAVRAS #5 - SOPHIA DE MELLO BREYNER




A Revolução teve mais que o sentido político, para algumas pessoas. Teve, também, um profundo sentido poético. Há um poema (do Rimbaud, creio) que diz que haverá um tempo em que a poesia se tornará interior à vida quotidiana. E houve uma fase em que isso aconteceu em Portugal. Eu fiz um discurso, pouco tempo depois do 25 de Abril, em que dizia: A poesia estava na rua mas foi rapidamente empurrada para dentro de casa. Penso que isso é verdade. Mas há muita coisa que está melhor. Na semana passada fui a uma escola, em Queluz. Pelo que vi, creio que as escolas estão muito melhores do que eram há dez anos. E acho as crianças mais alegres – embora os professores me digam que há muitos problemas fora da escola. Uma professora disse-me: Aqui é o lugar da alegria deles. Não é bonito dizer isto de uma escola? Mesmo durante a conversam, pareceu-me que as crianças faziam perguntas mais suas, mais espontâneas. Leram poemas seus e depois uma rapariguinha leu um poema maravilhosamente bem lido e, isso deu-me outra esperança. Já me aconteceu, com alunas mais velhas, não lhes bastar ler o poema: querem representá-lo. Não acreditam no poema, pensam que é preciso acompanhá-lo com uma mímica qualquer. Um poema pode ser cantado, dançado, mas não pode ser representado, porque não é teatro. Está completamente em si próprio.

in JL nº 709, de 17/07/1997