Alicerçando Palavras # 45 - Al Berto - 1948-1997
Caminhamos em direcções opostas. Caminhamos sem destino pela cidade.
A febre aniquila-nos.
Existem Índias por descobrir, no segredo da noite dos nossos desastres.
Caminhamos neste espaço de penumbras e de incertezas - onde a fala já não cintila e as palavras são de cinza.
Sobre as tuas mãos a sombra de um corpo, ou de um navio. O silêncio das viagens cumpridas. E no meio deste silêncio uma ideia de voz, uma treva agarrada à memória.
Foi então que dei por mim a existir para lá da tua morte, como se asfixiasse. Mas o passado não é senão um sonho. Uma brincadeira com clepsidras avariadas e algum sangue.
Não vale a pena estar triste.
Todas as histórias, todas as mortes, acabam por se apagar.
Um barco tremeluz nas cortinas do quarto.
O horizonte é negro. A luz do dia extinguiu-se subitamente.
As mãos com que te toco, luminoso afogado, não são verdadeiras nem reais - porque o tempo todo talvez esteja onde existimos. Embora saibamos que neste lugar nunca houve tempo nenhum.
Al Berto
In, Luminoso Afogado, 1996
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