Alicerçando Palavras # 89 - Luis Pareyson
O artista estuda amorosamente a sua matéria, escruta-a até ao fundo, espreita o seu comportamento e as suas acções; interroga-a para poder comandá-la, interpreta-a para poder domá-la, obedece-lhe para poder dobrá-la; aprofunda-a para que revele possibilidades latentes e adequadas às suas intenções; escava-a para que ela própria sugira novas e inéditas possibilidades a tentar; segue-as para que os seus naturais desenvolvimentos possam coincidir com as exigências da obra a fazer; indaga os modos em que uma longa tradição ensinou a manipulá-la para fazer com que ela germine com inéditos e originais ou para prolongá-los em novos desenvolvimentos; e, embora a tradição de que a matéria está carregada pareça comprometer a sua ductilidade e torná-la pesada e lenta e opaca, ele procura recuperar a sua frescura virgem, que seja tanto mais fecunda quanto mais inexplorada; e, se a matéria for nova, ele não se deixará espantar pela audácia de certas sugestões que parecem sair dela espontaneamente nem se recusará à coragem de certas tentativas nem, muito menos, se subtrairá ao duro dever de penetrar nela para melhor identificar as suas possibilidades. [...] Não se trata de dizer que a humanidade e a espiritualidade do artista se figura numa matéria, tornando-se complexo, formado, de sons cores palavras, porque a arte não é figuração e formação da vida da pessoa. A arte não é senão figuração e formação de uma matéria, mas a matéria é formada segundo um modo irrepetível de formar que é a própria espiritualidade do artista que toda se fez estilo.
Luis Pareyson, Estética, 1954
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