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segunda-feira, maio 09, 2005

Alicerçando Palavras # 64 - Eduardo Lourenço



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É por comparação com a temporalidade inocente que supomos ser a da América, que a da Europa parece, senão infeliz, pelo menos incerta. Os europeus lembram-se com excesso que no próprio dia em que abordaram o Novo Mundo começaram a envelhecer. Foi um europeu – Vico – que imaginou o processo histórico como uma espiral feita de corsi e ricorsi, de avanços e regressos. Esta imagem quadra bastante bem com a necessidade da cultura europeia de voltar periodicamente sobre os seus passos. Semelhante reflexo era fácil quando o seu espaço-tempo simbólico se confundia com o espaço-tempo da história universal. Agora que o seu tempo específico a alcançou, essas tentações de retorno não a renovarão. A nossa cultura europeia – uma entre outras – encontra-se agora confrontada com os mesmos desafios que o conjunto da comunidade humana, mas não os pode vencer por nenhuma tentativa de regressar simbolicamente sobre si mesma como o fez no Renascimento e no Romantismo. Também não se pode contentar com o papel de consumidora ou recuperadora de culturas vindas de algures, unicamente para ter a ilusão de que conserva ainda a antiga hegemonia sobre o futuro. Tanto mais que ela guarda intacta a sua capacidade de invenção e renovação. Nem se vê quem a tenha mais, América inclusa. Como já não estamos como actores da História enquanto políticos no centro do mundo, imaginamos que como cultura fomos retirados da mesma história. Mas somos nós que nos retiramos fantasmando em excesso a sedução alheia e enegrecendo inconsideravelmente o nossos próprio rosto. Não nos espantemos que seja agora de fora que a imagem finita de nós mesmos nos seja apresentada. Olhemos para ela com a mesma audácia com que durante séculos em família, dilaceramos o rosto universal que nos supúnhamos. Assim entraremos de pé no tempo dos outros.


Extracto da Conferência O Nosso Tempo e o Tempo dos Outros, Eduardo Lourenço