Alicerçando Poesia # 92 - Yannis Ritsos
O Espaço Do Poeta
A escrivaninha negra com entalhes, os dois candelabros de prata,
o cachimbo vermelho. Está sentado, quase invisível, na poltrona,
com a janela sempre às suas costas. Por detrás dos óculos,
enormes e cautos, observa o interlocutor
à luz intensa, ele próprio oculto dentro de suas palavras,
dentro da História, com personagens seus, distantes, invulneráveis,
capturando a atenção dos outros nos delicados revérberos
da safira que traz num dedo, e alerta sempre para saborear-lhes as
expressões, nos momentos em que os tolos efebos
umedecem os lábios com a língua, admirativamente. E ele,
astuto, sôfrego, sensual, o grande inocente,
entre o sim e o não, entre o desejo e o remorso,
qual balança na mão de um deus, ele oscila por inteiro,
enquanto a luz da janela atrás lhe põe na cabeça
uma coroa de absolvição e santidade.
"Se a poesia não for a remissão - murmura a sós consigo -
não esperemos então misericórdia de ninguém".
Tradução de José Paulo Paes
Legado
Ele diz: creio na poesia, creio no amor, creio na morte,
exactamente porque creio na imortalidade. Escrevo
um verso, escrevo o mundo; existo; o mundo existe.
Da extremidade do meu dedo mínimo corre um rio.
O azul do céu é azul sete vezes. Esta pureza
é de novo a primeira verdade, a última das minhas
vontades.
Tradução Eugénio de Andrade
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