Alicerçando Palavras # 138 - Bernard-Henry Lévy
Três dias se passaram assim. Três noites. Ainda que no estado em que se encontra tenha cada vez maior dificuldade em distinguir as noites dos dias. É certo que nunca dormiu muito. E até onde a sua memória pode chegar, lembra-se que sempre considerou o sono uma espécie de naufrágio que precipita a alma da pessoa adormecida num mundo maléfico e negro. Agora, no entanto, é ainda mais. É uma recusa total. Uma reticência definitiva. É como uma obstinação da consciência, empinada à beira do abismo e das ameaças que aí entrevê, ao recusar a abdicação. E o facto é que, desde o seu regresso a este quarto, bocejou, dormitou, pestanejou, fechou os olhos - mas nem por um momento adormeceu verdadeiramente.Confusão das horas. Indecisão do tempo decorrido. Confusão de uma alma que, na constante lucidez em que se mantém, perde as suas coordenadas habituais. Se sabe ainda a hora, é ao seu ouvido que o deve, aos vagos rumores da rua que sobem até à sua cama. Um sopro. Um clamor. Uma conversa entre mulheres à janela, que indica que é manhã. Um latido ao longe, que atesta que o dia chegou ao fim. Ou essa qualidade de silêncio extremo, quase aveludado, que só pertence, ele sabe-o, à penúltima hora da noite.
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