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segunda-feira, outubro 04, 2004

Alicerçando Palavras #9 - Vergílio Ferreira




Os proprietários da opinião alheia decretam às vezes que A ou B é o melhor “prosador” da literatura contemporânea. Porque é que não dizem nunca de um poeta que é o melhor “versejador”?

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Escrever cartas. Está hoje fora de moda como tudo. Porque tudo é agora velocidade, ser-se por fora, usar e deitar ao lixo. Não se usa o interior, usa-se a pele. Lê-se pouco o livro, basta a TV, que é um dom divino para o analfabetismo. O telefone dá despacho rápido ao que se comunicava por carta. E é mais caro, que é a vantagem de tudo que tem preço alto, que é ter preço menos comunitário.

A carta. Era do tempo de um viver sossegado, de se percorrer a intimidade de nós e de se estar aí bem. Havia a agitação do que se nos agitasse, mas dizê-lo remansamente conduzia ao sossego. Era do tempo de ter problemas para os desdobrar em escrita e de se ficar aí mais planificado. Era o tempo de se conversar e não de atropelar palavras no momentâneo aturdimento. Era o tempo de se ter alma e não o seu contraplacado. Era o tempo de se ter ideias e não bocados de cortiça. O tempo do silêncio e não dos gritos das massas. O tempo de se estar só e não dos encontrões de se estar em companhia. A carta. Memória antiquíssima a descobrir talvez um dia como os manuscritos do Mar Morto.

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Poupa as tuas palavras, guarda as melhores para o fim como o bocado no prato. Qual a última de que te vais servir? Não a imaginas. Mas a última que disseres ou pensares deve resumir-te a vida toda. Vê se a escolhes bem para remate do que construíres. Quando olhas para uma catedral o que fitas mais intensamente é o cimo das torres.

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Os grandes movimentos são iniciados por grandes homens e a sua forma clássica é a dos visionários ou profetas. Os seus continuadores são homens médios e a sua forma canónica é a dos práticos organizadores ou dos burocratas. E os seus fiéis seguidores são homens escassos e a sua forma paradigmática é a dos denunciantes ou polícias.

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Não te queixes muito das falhas de memória. Porque se soubesses tudo o que soubeste, não te poderias mexer. E então é que não terias nenhuma.

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Guarda alguma necessidade para não teres só fastio.

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Não queiras saber tudo. Deixa um espaço livre para te saberes a ti.
Conheces a anedota. Essa do homem que andava nu porque estava sempre à espera da última moda para enfim comprar um fato. Talvez não saibas é que morreu de uma pneumonia.

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Torna-te o destino de ti próprio.


VERGÍLIO FERREIRA – ESCREVER, BERTRAND EDITORA