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domingo, novembro 21, 2004

Alicerçando Poesia # 27 - Alexandre O'Neill



Quatro Lugares-Comuns Sobre Várias Artes Poéticas

1

Estou sozinho diante da página em branco.

Cedo à inspiração?
Dedico-me ao suor?

Vou investir com a caneta o branco da página em branco.

Minha tentação era subscrever o branco,
assinar o silêncio.
Mas o branco seria o silêncio,
uma vez assinado?

Cedo à inspiração?
Dedico-me ao suor?

Nada vem de bandeja.
Nada vem do suor.


2

Não há modelo exterior a que eu deva obediência, sequer trabalho.
O modelo exterior seria uma plateia
com centenas de lugares-comuns
ainda mal arejados dos traseiros
que neles depusessem os gomos o tempo da sessão.
O modelo interior é uma convenção
que te obriga, se o eleges, a trabalhar como arrumador,
lanterninha na mão.
E então, sim! Deves tudo ao suor
(o nobre suor de um senhor escritor).
O modelo exterior é como o jogo do avião:
ao pé-coxinho vais biqueirando a palavra-patela,
de quadradinho em quadradinho,
até fazeres todo o avião.

O modelo exterior deixa-te definitivamente fora,
mas fora de ti próprio.
É como se andasses à rabiça
a arar os campos de papel.


3

A folha de papel em branco
não é o ruedo de nenhuma faena.
A folha de papel em branco
(e tu debruçado sobre ela)
é um slogan turístico, um “Spain is different!”
da poesia espectáculo.
(Nem a ti próprio te dês em espectáculo
sob pretexto de reflexão.)

Se tens o lampo da inspiração
a crescer, em formigueiro, na mão da faina,
não te deixes embevecer por imagens toureiras.
São bonitos.
São analogias que não colam
ao trabalho de escrever.

Se tens o lampo da inspiração,
despede-o para o papel como instantaneidade
de incertos resultados.
Depois se verá se deixou resíduos
ou se o lampo não deu mais que um trovão.


4

Nada vem de bandeja.
Nada vem do suor.

Não te deixes cindir por um falso dilema.
Escrever é tramar o textual.
Bandeja e suor são problemas teus,
maneiras de ser, de agir, processos de trabalho.

Onde começa um poema?
Quando começa um poema?

No espaço quadrado da folha de papel?
No momento em que pegas da caneta?

Ou no espaço redondo em que te moves?
Ou quando, alheio a tudo, te pões de cócoras,
a coçar, perplexo, a cabeça?




Alexandre O’Neill, Poesia Completas 1951/1986, Imprensa Nacional – Casa da Moeda