quarta-feira, dezembro 31, 2014
terça-feira, dezembro 31, 2013
domingo, dezembro 22, 2013
Para todos os amigos.
Junto um dos mais belos poemas de Natal que conheço e que, num momento de crise como a actual, penso ser ainda mais pertinente.
Natal, e não Dezembro
Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.
Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.
David Mourão-Ferreira
domingo, novembro 03, 2013
Alicerçando Poesia - # 467
memória minha
Durante um mês amámo-nos. Foi-se embora depois creio que para Esmirna,
para lá trabalhar, e nunca mais nos vimos.
Ter-se-ão desfeado - se vive - os olhos cinzentos;
ter-se-á estragado o belo rosto.
Memória minha, guarda-os tu tais como eram.E, memória, o que podes deste meu amor,o que podes traz-me de volta esta noite.
K. Kavafis
trad. Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis
Durante um mês amámo-nos. Foi-se embora depois creio que para Esmirna,
para lá trabalhar, e nunca mais nos vimos.
Ter-se-ão desfeado - se vive - os olhos cinzentos;
ter-se-á estragado o belo rosto.
Memória minha, guarda-os tu tais como eram.E, memória, o que podes deste meu amor,o que podes traz-me de volta esta noite.
K. Kavafis
trad. Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis
segunda-feira, agosto 26, 2013
Alicerçando Poesia #466 - Pedro Mexia
ABANDONO
Têm décadas as persianas
dos prédios semidevolutos
que me vêem regressar a casa,
fechadas quase até ao fundo
mas com detritos visíveis
ao princípio do negrume,
por exemplo um guarda-chuva
desfeito, jornais desfolhados....
Escuras de sujidade
e abandono, já viram passar
tantas gerações e circunstâncias
que quase me pedem para
que saiba ver como elas
a nenhuma importância
dos mortais eventos da semana.
Pedro Mexia, Menos por Menos, Dom Quixote
Têm décadas as persianas
dos prédios semidevolutos
que me vêem regressar a casa,
fechadas quase até ao fundo
mas com detritos visíveis
ao princípio do negrume,
por exemplo um guarda-chuva
desfeito, jornais desfolhados....
Escuras de sujidade
e abandono, já viram passar
tantas gerações e circunstâncias
que quase me pedem para
que saiba ver como elas
a nenhuma importância
dos mortais eventos da semana.
Pedro Mexia, Menos por Menos, Dom Quixote
Etiquetas: Poesia
quinta-feira, junho 13, 2013
Alicerçando Poesia # 465
da net
Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
— eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.
Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
— E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
— não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.
Herberto Helder
Etiquetas: Poesia
segunda-feira, março 04, 2013
terça-feira, fevereiro 19, 2013
Alicerçando Poesia # 464 - Amália Bautista
Conta-me outra vez
Conta-me outra vez, é tão bonito
que não me canso nunca de escutá-la.
Repete-me outra vez que o casal
da história foi feliz até morrer,
que ela não lhe foi infiel, que a ele nem sequer
lhe ocorreu enganá-la. E não esqueças
de que, apesar do tempo e dos problemas,
continuavam os beijos todas as noites.
... Conta-me mais mil vezes, por favor:
é a história mais bela que conheço.
Conta-me outra vez, é tão bonito
que não me canso nunca de escutá-la.
Repete-me outra vez que o casal
da história foi feliz até morrer,
que ela não lhe foi infiel, que a ele nem sequer
lhe ocorreu enganá-la. E não esqueças
de que, apesar do tempo e dos problemas,
continuavam os beijos todas as noites.
... Conta-me mais mil vezes, por favor:
é a história mais bela que conheço.
Etiquetas: Poesia
domingo, outubro 28, 2012
Alicerçando Poesia # 463 - José Gomes Ferreira
Poeta o que é?
Um homem que leva
o facho da treva
no fundo da mina
- mas apenas vê
o que não ilumina.
in, Poeta Militante
terça-feira, junho 19, 2012
Alicerçando Poesia # 462 - Maria do Rosário Pedreira
Sem Título
Não é ainda a pele, apenas
um rumor na lã das camisolas, um recado
a lembrar tardes no feno, linho lavado, o sol
mordendo um rio pela manhã -
assim a distância entre a minha mão e o pessegueiro.
Na estrada
as flores demoram-se até às laranjas,
mas o aroma do pomar faz sede e os olhos cegam
na promessa de gomos novos e doces, os mais doces. Talvez
por isso se continue a viagem sem olhar para trás.
Não é ainda a pele, apenas
um rumor na lã das camisolas, um recado
a lembrar tardes no feno, linho lavado, o sol
mordendo um rio pela manhã -
assim a distância entre a minha mão e o pessegueiro.
Na estrada
as flores demoram-se até às laranjas,
mas o aroma do pomar faz sede e os olhos cegam
na promessa de gomos novos e doces, os mais doces. Talvez
por isso se continue a viagem sem olhar para trás.
Etiquetas: Poesia
quinta-feira, abril 26, 2012
domingo, abril 01, 2012
Alicerçando Poesia #461 - Alejandra Pizarnik
esta lúgubre manía de vivir
esta recóndita humorada de vivir
te arrastra alejandra no lo niegues.
hoy te miraste en el espejo
y te fue triste estabas sola
la luz rugía el aire cantaba
pero tu amado no volvió
enviarás mensajes sonreirás
tremolarás tus manos así volverá
tu amado tan amado
oyes la demente sirena que lo robó
el barco con barbas de espuma
donde murieron las risas
recuerdas el último abrazo
oh nada de angustias
ríe en el pañuelo llora a carcajadas
pero cierra las puertas de tu rostro
para que no digan luego
que aquella mujer enamorada fuiste tú
te remuerden los días
te culpan las noches
te duele la vida tanto tanto
desesperada ¿adónde vas?
desesperada ¡nada más!
La última inocencia, 1956
Etiquetas: Poesia