#footer { width:660px; clear:both; margin:0 auto; } #footer hr { display:none; } #footer p { margin:0; padding-top:15px; font:78%/1.6em "Trebuchet MS",Trebuchet,Verdana,Sans-serif; text-transform:uppercase; letter-spacing:.1em; }

quinta-feira, setembro 30, 2004

Alicerçando Palavras #8 - Miguel Torga



Altar de Cabrões, 9 de Agosto de 1944

Estou a 1536 metros, perto do céu, a ver o Barroso, o Marão, a Peneda, a Serra Amarela e o Lindoso. Estou sentado num marco que separa Portugal de Espanha, mas o sítio chama-se Altar de Cabrões e foi, como se vê, o olimpo de majestades cornudas, a ara de alguns daqueles sagrados deuses lusitanos, de que só restam nomes e cascos. Cada vez sei menos de rezas e de santos. Mas quando pressinto pêgada do velho Endovélicos, tenho logo vontade de me prosternar e benzer. O catolicismo, sem o Cristo querer, encheu este mundo de cruzes e água benta. Ora estes nossos patrícios deuses de chifres eram portadores de uma virilidade mágica, que não nega nem degrada a natureza. Nada de agonias lentas em madeiros de cedro. Água, frutos, sol, e uma divindade fundamentada na verdade feiticeira das coisas.


S. Martinho de Anta, 26 de Dezembro de 1962

Sei de ciência certa que me não chega a língua para dizer claramente o que vou repetir mais uma vez. Mas tento ao menos proclamar, por insistência, a minha profunda certeza de que existe um caminho de ascese laica. Que o profano só o é quando não encontra ressonância humana condigna o que nele ressuma transcendência - palavra que nem de longe nem de perto gostaria que sugerisse qualquer lírico panteísmo contemplativo. Vinculo-me no meu pensamento a uma viva e activa união com a própria essência da matéria.

Há tempos, em Espanha, a atravessar de Léon para Covadonga, pela estrada de Riaño, o desfiladeiro de Sella, descobri alvoraçado que os engenheiros seculares que tornaram transitáveis aqueles abismos eram mestres do êxtase em tudo comparáveis a S. João da Cruz. Que tinham deixado, a vencer os escarpados montes Cantábricos da realidade, escritas na pedra, páginas tão exaltantes como as do poeta que escalou misticamente os montes Carmelos da imaginação.

Relâmpago a iluminar uma antiga certeza brumosa, essa revelação nunca mais deixou de alargar o sentido dentro de mim. E sempre que, à custa de esforço e porfia, consigo, como há pouco na serra, unir, digamos, o meu corpo e o meu sangue ao corpo e ao sangue da natureza, a perfeita comunhão que se realiza e a estranha metamorfose que dái resulta exigem o nome sagrado da transfiguração.

Alicerçando Poesia #10 - Peter Hammil



WONDERING
I will arise;
in the depths, I will open my eyes;
as my breath almost fails me, survive.

Wait – there’s something unclear
there’s something I fear now drawing close.
Could it be you?
Whose is that voice?
Is it now time to make a choice?
Ah – that irrational pain!
This ridiculous brain now bursts with joy.
Could it me be? Could it be now?
Should I begin to take my vows?

I will return;
as I live, as I breath, as I burn
I swear I will come through
with my hands stretching out in the dark,
with my eye pressed up tight to the glass,
wondering if it’s all been true.


EASY TO SLIP AWAY

My friends, I never really thought you’d go,
but, then, we know that’s the way it happens here.
Now time is like cat’s cradle in my hands:
we gather up the strands much too slowly.

The refugees are gone... they take their separate paths,
deliberate the past: figures in an ash shroud.
Susie, I guess you’re on your way to be a star,
but I don’t know where you are; the only time I seem
to see you is on the TV.
It’s so easy just to slip away.


In, Chameleon In The Shadow oOf The Night

segunda-feira, setembro 27, 2004

ALICERÇANDO IMAGENS #5 - Mª HELENA VIEIRA DA SILVA

MARIA HELENA VIEIRA DA SILVA - 1908/1992



Bibliothèque em Feu, 1974, óleo sobre tela 158x78cm - CAM, Lisboa ;Posted by Hello




La Partie D'Echecs, óleo sobre tela com trações de carvão - colecção Museu Nacional de Arte Moderna, Paris ;Posted by Hello

domingo, setembro 26, 2004

ALICERÇANDO POESIA #9 - CAMILO PESSANHA - 1867/1926



Violoncelo
(A Carlos Amaro)


Chorai, arcadas
Do violoncelo,
Convulsionadas.
Pontes aladas
De pesadelo...

De que esvoaçam,
Brancos, os arcos,
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio os barcos.

Fundas, soluçam
Caudais de choro.
Que ruínas, ouçam...
Se se debruçam,
Que sorvedouro!

Lívidos astros,
Soidões lacustres...
Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!

Urnas quebradas.
Blocos de gelo!
Chorai, arcadas
Do violondelo,
Despedaçadas.




Ao Longe os Barcos de Flores
(A Ovídio de Alpoim)


Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranqüila,
- Perdida voz que de entre as mais se exila,
- Festões de som dissimulando a hora

Na orgia, ao longe, que em clarões cintila
E os lábios, branca, do carmim desflora...
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila.

E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,
Cauta, detém. Só modulada trila
A flauta flébil... Quem há-de remi-la?
Quem sabe a dor que sem razão deplora?

Só, incessante, um som de flauta chora...

quinta-feira, setembro 23, 2004

ALICERÇANDO PALAVRAS #6 - D. MAZZA




Poesia serve para comover. Se não o fizer, seja causando riso, choro, irritação, saudade, angústia, alegria, então não serve para nada. Não chega, nem mesmo, a ser poesia.


In, PD-agosto de 2004 - entrevista a R.Silva Leão

quarta-feira, setembro 22, 2004

ALICERÇANDO POESIA #8 - INGBORG BACHMANN




SOMBRAS ROSAS SOMBRAS

Sob um céu estranho
sombras rosas
sombras
numa terra estranha
entre rosas e sombras
numa água estranha
a minha sombra


ÁRIA I

Para onde quer que nos voltemos na tempestade de rosas,
a noite ilumina-se de espinhos, e o trovão
da folhagem, antes tão leve nos arbustos,
segue-nos agora de perto.

Onde quer que se apague o incêndio das rosas,
a chuva inunda-nos o rio. Oh, noite tão distante!
Mas uma folha que nos encontrou é levada pelas ondas
e segue-nos até à foz.



Tradução de: João Barrento e Judite Berkemeier

In, O Tempo Aprazado, Assírio & Alvim, 1992

sábado, setembro 18, 2004

ALICERÇANDO IMAGENS #4 - PAIVA RAPOSO



Um grande obrigada ao Prof. Paiva Raposo.



A Espera com paisagem 2, 130x97cm, 2000 Posted by Hello


***** * *****




GRAVURA



Matriz Evolutiva, 76x56cm, 1999 Posted by Hello



sexta-feira, setembro 17, 2004

ALICERÇANDO PALAVRAS #5 - SOPHIA DE MELLO BREYNER




A Revolução teve mais que o sentido político, para algumas pessoas. Teve, também, um profundo sentido poético. Há um poema (do Rimbaud, creio) que diz que haverá um tempo em que a poesia se tornará interior à vida quotidiana. E houve uma fase em que isso aconteceu em Portugal. Eu fiz um discurso, pouco tempo depois do 25 de Abril, em que dizia: A poesia estava na rua mas foi rapidamente empurrada para dentro de casa. Penso que isso é verdade. Mas há muita coisa que está melhor. Na semana passada fui a uma escola, em Queluz. Pelo que vi, creio que as escolas estão muito melhores do que eram há dez anos. E acho as crianças mais alegres – embora os professores me digam que há muitos problemas fora da escola. Uma professora disse-me: Aqui é o lugar da alegria deles. Não é bonito dizer isto de uma escola? Mesmo durante a conversam, pareceu-me que as crianças faziam perguntas mais suas, mais espontâneas. Leram poemas seus e depois uma rapariguinha leu um poema maravilhosamente bem lido e, isso deu-me outra esperança. Já me aconteceu, com alunas mais velhas, não lhes bastar ler o poema: querem representá-lo. Não acreditam no poema, pensam que é preciso acompanhá-lo com uma mímica qualquer. Um poema pode ser cantado, dançado, mas não pode ser representado, porque não é teatro. Está completamente em si próprio.

in JL nº 709, de 17/07/1997

quinta-feira, setembro 16, 2004

ALICERÇANDO IMAGENS #3 - JORGE MARTINS


JORGE MARTINS


Sem título, 1986, óleo sobre tela, 185x150cm ;Posted by Hello



Uma entrevista de Mª João Avillez com Jorge Martins pode ser lida aqui.

quarta-feira, setembro 15, 2004

ALICERÇANDO POESIA #7 - JORGE DE SENA




Felicidade

A felicidade sentava-se todos os dias no peitoril da janela.

Tinha feições de menino inconsoláveç.
Um menino impúbere
ainda sem amor para ninguém,
gostando apenas de demorar as mãos
ou de roçar lentamente o cabelo pelas faces humanas.

E, como menino que era,
achava um grande mistério no seu próprio nome.

PERSEGUIÇÃO, LÍRICAS PORTUGUESAS, PORTUGÁLIA EDITORA, P. 245




Glosa À Chegada do Inverno

Ao frio suave, obscuro e sossegado,
e com que a noite, agora, se anuncia
depois de posto, ao longe, um sol dourado
que a uma rosada fímbria arrasta e esfia...

Da solidão dos homens apartado,
e entregue a tal silêncio, que devia
mais entender as sombras a meu lado
que a terra nua onde se atrasa o dia...

Recordo o amor distante que em mim vive,
sem tempo ou espaço, e apenas amarrado
à liberdade imensa que não tive,

e que não há. Como o recordo agora
que a luz do dia já se não demora,
se apenas de si próprio é recordado?

PEDRA FILOSOFAL, LÍRICAS PORTUGUESAS, PORTUGÁLIA EDITORA, P. 250





Não hei-de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.

Eu não posso senão ser
desta terra em que nasci.
Embora ao mundo pareça
e sempre a verdade vença,
qual será ser livre aqui,
não hei-de morrer sem saber.

Trocaram tudo em maldade,
é quase um crime viver.
Mas, embora escondam tudo
e me queiram cego e mudo,
não hei-de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.

segunda-feira, setembro 13, 2004

ALICERÇANDO ESTRUTURAS #3





Alvar Aalto - Finlândia - casa própria comprada em 1934 e completada em agosto de 1936 ;Posted by Hello



Site de Alvar Aalto

quinta-feira, setembro 09, 2004

ALICERÇANDO POESIA #6 - ODYSSÉAS ELYTIS - 1911-1995




XIII


XXXXXXXXXXXXMinhas mãos manchadas de iniquidades, como abri-las?
Meus olhos cheios de carcereiros, como olhar com eles?
XXXXXXXXXXXXFilhos dos homens, que hei-de dizer?
A terra suporta horrores e a alma ainda mais.
XXXXXXXXXXXXBravo, primeira juventude minha e lábio indómito
que ensinaste o seixo da tormenta
XXXXXXXXXXXXe replicaste ao raio entre as tempestades!
Bravo, primeira juventude minha!
XXXXXXXXXXXXTanta serra me lançaste às raízes que o meu pensamento verdejou.
Tanta luz no sangue que meu amor adquiriu
XXXXXXXXXXXXo poder e o sentido do céu.
Puro estou de extremo a extremo,
XXXXXXXXXXXXutensílio imprestável às mãos da morte,
má presa nas unhas nas unhas dos grosseiros.
XXXXXXXXXXXXFilhos dos homens, que hei-de tremer?
Tirai-me minhas entranhas, que eu já cantei!
XXXXXXXXXXXXTirai-me o mar com os brancos ventos
a enorme janela cheia de limoeiros,
XXXXXXXXXXXXos abundantes trinos e aquela rapariga
cuja alegria me contentou com só tocá-la,
XXXXXXXXXXXXtirai-ma, que já cantei !
Tirai-me os sonhos, como os lereis?
XXXXXXXXXXXXTirai-me o pensamento, onde ireis dizê-lo?
Puro estou de extremo a extremo.
XXXXXXXXXXXXBeijando com a minha boca alegrei o corpo virgem.
Soprando com a minha boca colori a pele do mar.
XXXXXXXXXXXXConverti em ilhas todas as minhas ideias.
Exprimi um limão na minha consciência.



Tradução de: Manuel Resende


In, Louvado Seja, Assírio & Alvim, 2004

quarta-feira, setembro 08, 2004

ALICERÇANDO OBJECTOS #2




George G. Blaisedell inventou o isqueiro Zippo em 1932 em Bradford na Pensilvânia  ;Posted by Hello


O isqueiro cuja chama nunca se apaga.

terça-feira, setembro 07, 2004

ALICERÇANDO PALAVRAS #4 - GIROGOS SEFERIS - 1900-1971




THE KING OF ASINI


All morning long we looked around the citadel starting from the shaded side, there where the sea, green and without lustre-breast of a slain peacock- received us like time without an opening in it. Veins of rock dropped down from high above, twisted vines, naked, many-branched, coming alive at the water's touch, while the eye following them struggled to escape the tiresome rocking, losing strength continually.
On the sunlit side a long empty beach and the light striking diamonds on the huge walls. No living thing, the wild doves gone and the king of Asini, whom we've been trying to find for two years now, unknown, forgotten by all, even by Homer, only one word in the Iliad and that uncertain, thrown here like the gold burial mask. You touched it, remember its sound? Hollow in the light like a dry jar in dug earth: the same sound that our oars make in the sea. The king of Asini a void under the mask everywhere with us everywhere with us, under a name: "and Asini ... and Asini . . ." and his children statues and his desires the fluttering of birds, and the wind in the gaps between his thoughts, and his ships anchored in a vanished port: under the mask a void.
Behind the large eyes the curved lips the curls carved in relief on the gold cover of our existence a dark spot that you see travelling like a fish in the dawn calm of the sea: a void everywhere with us. And the bird that flew away last winter with a broken wing the shelter of life, and the young woman who left to play with the dog-teeth of summer and the soul that sought the lower world squeaking and the country like a large plane-leaf swept along by the torrent of the sun with the ancient monuments and the contemporary sorrow.
And the poet lingers, looking at the stones, and asks himself does there really exist among these ruined lines, edges, points, hollows, and curves does there really exist here where one meets the path of rain, wind, and ruin does there exist the movement of the face, shape of the tenderness of those who've shrunk so strangely in our lives, those who remained the shadow of waves and thoughts with the sea's boundlessness or perhaps no, nothing is left but the weight the nostalgia for the weight of a living existence there where we now remain unsubstantial, bending like the branches of a terrible willow tree heaped in permanent despair while the yellow current slowly carries down rushes uprooted in the mud image of a form that the sentence to everlasting bitterness has turned to stone: the poet a void.
Shieldbearer, the sun climbed warring, and from the depths of the cave a startled bat hit the light as an arrow hits a shield: and Asini ... and Asini. . . " Would that that were the king of Asini we've been searching for so carefully on this acropolis sometimes touching with our fingers his touch upon the stones.



Asini, summer '38 - Athens, Jan. '40

sexta-feira, setembro 03, 2004

ALICERÇANDO FOTOS #3



In, http://wvs.topleftpixel.com/ Posted by Hello

quinta-feira, setembro 02, 2004

ALICERÇANDO ESTRUTURAS #2




Casa Schröder (casa particular), 1924, Utrecht - ícone da moderna arquitectura ;Posted by Hello

quarta-feira, setembro 01, 2004

ALICERÇANDO POESIA #5 - MANUEL BANDEIRA





Vou-me Embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive


E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada


Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar


E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada


Auto-retrato

Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;

Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;

Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,

Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.