#footer { width:660px; clear:both; margin:0 auto; } #footer hr { display:none; } #footer p { margin:0; padding-top:15px; font:78%/1.6em "Trebuchet MS",Trebuchet,Verdana,Sans-serif; text-transform:uppercase; letter-spacing:.1em; }

quinta-feira, junho 29, 2006

Alicerçando Palavras # 110 - Gonzalo Torrente Ballester


CURRICULUM DE CERTA MANEIRA

In Jornal de Letras, Artes e Ideias, nº 740 de 1999-04-14


Recordemos, acima de tudo, alguns acontecimentos: em 1910 morreu Tolstoi, e Rainer Maria Rilke escreveu Os Cadernos de Malte Laurids Brigge. O cometa Halley começava a afastarse da Terra, depois do susto e, Bergson tinha escrito já Matéria e memória. Essa coisa das Señoritas de Aviñó (rua barcelonesa, não povoação francesa) ia ficando longe. Em 1910, Dilthey escreveu A estrutura do mundo histórico nas ciências do espírito e Freud Sobre a Psicanálise. A 1910 corresponde na França a lei contra a invalidez e a velhice, quero dizer a lei do segura contra essas desditas, e no ano anterior tinha-se inventado a borracha sintética. Contudo, e apesar de ser o ano de 1910, eu nasci na Idade Média (nos seus estertores, é claro). Uma Idade Média algo estranha, poré, porque, se é bem verdade que na minha aldeia tentávamos, de noite, não tropeçar com a Companha, se era Sexta-feira podiam ver-se no céu, brincando, os reflectores dos navios de guerra. A minha vida, durante muito tempo (e talvez agora também), não foi mais do que um baloiço, ou vaivém, entre os reflectores que brincavam no céu, e a Companha, que caminhava, dolente, pelas veredas.
A coisa aconteceu um 13 de Junho, por volta das três da tarde. Lugar de sucesso, a alcova da minha avó, lugar onde, segundo contarei um dia, uma porta comunicava directamente com o céu, que a minha avó chamava o Paraíso. Demorei poucos anos a sabê-lo.


OS GÉMEOS

Vinte e dois anos antes, em Lisboa, frente ao Teatro São Carlos, tinha nascido um rapaz que se conhece hoje no mundo como Fernando Pessoa. Eu li-o, pela primeira vez, por volta de 1964, com evidente atraso. A minha informação sempre foi má, mesmo para o extraordinário. Compreendi repentinamente que entre aquele poeta e eu existiam algumas afinidades de pensamento e de sensibilidade, além de sermos ambos gémeos; ou, dito mais modestamente, descobri que Pessoa tinha pensado, bastantes anos antes, o que eu teria gostado de pensar alguns anos depois, se bem que obscuramente o sentisse. Deve-se esta afinidade, à data de nascimento, a essa coincidência de festas do San António de la Cabana e Santo António de Lisboa, que são o mesmo Santo António? Não sei. Dois gémeos, sim; mas um deles jamais viveu de inventar horóscopos às pessoas, nem deixou um baú repleto de tesouros de poesia. É também certo que um deles jamais deixou que no seu interior crescesse um Álvaro de Campos. Para quê, se já crescera noutro seio imaginário?


LICEU E UNIVERSIDADE

Do meu liceu tirei a conclusão de que o cosmos, a terra, os homens e quanto se encontra ou se sonha eram de uma maneira determinada e invariável. Cinquenta e tantos anos depois, a conclusão mais precavida consiste em crer que cada trinta ou quarenta anos muda o modo de entender o cosmos, a terra e os homens, assim como também tudo quanto se encontra ou se sonha: isto é, que não convém, convencermonos nunca de que tudo, real ou sonhado, tem em propriedade exclusiva um modo de ser estável, salvo se a perguiça mental levar a pessoa a aferrar-se a uma ideia e a defendê-la com as unhas e os dentes, ou seja, ao dogmatismo. Isso é lá com ela.
Da Universidade tirei outra conclusão, menos definitiva, mais flutuante: a vida dos homens é mare-magnum sem pés nem cabeça que alguns se obstinam em entender como submetido a leis (com o qual já não seria o que é) e como que desenvolvendo um argumento preciso, embora diferente, segundo cada autor. As metafísicas, as éticas e as estéticas influem muito nos romances que, sob o nome de filosofia da história, se inventam a esse respeito. A história tem sentido, não tem? Eis a questão, como disse o outro. Nas Universidades ensinam que sim. Mas eu, que fui em tempos dramaturgo, sei no que consiste essa operação admirável de colher um pedaço de vida e transformá-la em acção em três actos, de acordo, mais ou menos, com Boileau. Nós, os homens, precisamos de entender, e unicamente as formas no-lo permitem: toda a interpretação da história é uma forma. Tudo bem, pois claro. Mas que venham as formas.


IMAGO MUNDI

Não tive mestres. Várias vezes acusou-se-me de ser autodidacta. Se tivesse tido dinheiro, contar-me-ia entre os discípulos directos de Don José Ortega y Gasset, o homem que, de longe, mais me ensinou nesta vida: e tê-lo-ia sido sem medo do sectarismo, sem medo da imitação, porque sempre o julguei um homem que sabia não só respeitar o originalidade alheia, mas suscitá-la. Julgo-me culto, mas não pelo que aprendi na Universidade, sim pelo que escutei, durante os meus anos infantes, naquele cantinho galego. Ali se configurou a minha imagem mundi: uma cultura mágica sempre em colisão com os saberes racionalistas aprendidos depois e para a qual, porquê negá-lo, sinto certa inclinação. Mas há maneiras de ser conflituosas que não encaixam nas classificações de escola, e já sabemos que isso, classificar, é a primeira operação intelectual de certa envergadura.


AMOR, DESEJO

Também entendo um pouco dos homens e das mulheres, mais destas do que daqueles, e por nada em especial, mas porque me interessam mais como objecto de conhecimento e, naturalmente, de amor. Tudo quanto eu sei de amor, tirei-o da vida, escutei-o de um coração uníssono. Sempre vivi apaixonado e, a partir de certa hora, comecei a desejar, mas o desejo e a amor seguiam caminhos diferentes. O amor chamou-se Elia, que era uma criatura escanzelada, de grandes olhos incrédulos e assustados. Uma vez mandou-me uma fotografia, e vi que se havia transformado numa mulher óptima, objecto já, não só do amor amigo, mas também do desejo novo. Aí começou o drama, que me não senti disposto a suportar, e visto que a Elia se mantinha inacessível ao que com ela podia fazer um rapaz sem ofício nem benefício, procurei noutra pessoa o objecto do amor e do desejo conjuntos. Casei-me a 11 de Maio de 1932. Desde então o amor e o desejo não voltaram a separar-se, senão apenas por motivos circunstanciais e remediáveis, mas sem armar toda uma metafísica sobre a cisão. Parece-me ter tirado da vida, mais de meio século de amar, uma experiência bastante profunda e bastante rica do mister. As mulheres que amei chamo-as, até no meu coração, com nomes literários: Ariana, Dafne, Sílvia... E isso não esclarece episódios biográficos, que é do que gostam os bisbilhoteiros, mas eu gosto de manter em segredo. Duas vezes me casei. Tenho onze filhos.


NAS ENTRANHAS, A LITERATURA

A literatura aposentou-se nas minhas entranhas como um vírus contra o qual não valem defesas nem se inventou ainda a vacina. Possuiu-me e possui-me com aquela inteireza de alguns amores e de algumas mulheres, não me soltou jamais, não me deixou livre, mas exigiu-me, em troca, sê-lo perante o resto das coisas reais para poder dominar-me mais à vontade. A mim ninguém me ensinou literatura. Pensar que houve um tempo em que julguei averiguar tudo lendo o senhor Fitzmaurice-Kelly! Felizmente outros livros vieram e ajudaram-me. Recordo com emoção, que me faz sorrir da minha própria fraqueza, as longas noites de insónia daquele Paris de 1936 em que inventei e planeei A viagem do jovem Tobias: procurara no trabalho uma defesa contra a angústia. E meti naquela obra tudo quanto carregava dentro de mim. Alegra-me tê-lo feito porque hoje posso dizer que a minha afeição pela matéria fantástica a devo mais às mendigas milagreiras da minha infância do que às leituras posteriores ao existencialismo. Eu teria sido um bom dramaturgo (o que escrevi para o teatro e nunca se representou não passa de primeiros ensaios, de experiências e de esboços). Teria levado à cena algo de imaginação, de fantasia, da comicidade corriqueira que é o maior dos seus riscos. Como dramaturgo, pois, sou um fracasso. Sem rancor, isso sim...
Depois fui romancista. Tendo publicado dez volumes narrativos, se mal não recordo, todos eles nutrido. Não fui desses artistas que encontram uma fórmula e se aferram a ela e nela morrem, mas de todas as vezes procurei a forma adequada ao que queria contar. Não segui as modas, mas creio ter respondido ao espírito do meu tempo, mesmo durante o escasso trânsito pelo realismo tradicional, ao qual se volta hoje, valha-nos Deus! Isto não quer dizer que me considere um escritor surgido do nada, mas que, pelo contrário, estou persuadido de ter recebido influências de todos os autores que li: como toda a gente. O que consome o meu engenho e o meu tempo, o que me some em dúvidas, o que me leva ao acerto ou ao desacerto, é a composição da escrita, e não por falta de ocorrências, mas talvez por excesso, ou por quão difícil resulta averiguar a forma que cada material exige desde dentro de si própria como uma exigência de vida. A arte é forma e a vida necessita dela por igual. As que se podem ver com os olhos são praticamente infinitas; as que são susceptíveis de receber esses conjuntos indissolúveis de imagens e de palavras que são os materiais literários, não atingem tal infinidade. Nós, escritores, movemo-nos dentro de limites formais muito reduzidos: daí a insistência e a recorrência de normas e de prescrições. A biografia de todo o artista verdadeiro pode resumir-se à sua relação com o limite: porque se acomoda a ele, porque luta contra ele. Preciso de reconhecer a minha preguiça, a minha afeição à divagação, essa preguiça essencial que tantas vezes não domino.


AH, VINTE ANOS MAIS

A ela obedece a escassez da minha obra. Necessitaria, porém, vinte anos de vida mais, de vida lúcida e vontade estável para escrever o que me resta dentro. Aparte isso, igual a alguns que eu cá sei, talvez estupendos, talvez exemplares, não passei ainda de aprendiz de escritor. Mito, poder, esperança, amor e medo: são ideias, noções, abstracções mesmo: antes, contudo, foram vida, realidade. E a gente - o poeta, o artista - persegue-os com a intenção de tocar ao de leve pelo menos a órbita do seu âmago, de os encerrar em formas e em palavras. Dom Juan, La saga/fuga de J.B., Fragmentos de Apocalipsis, Los gozos y las sombras e tudo quanto tenho escrito são pegadas da minha tentativa, quiçá cinzas. Sê-lo-ão algum dia o que me resta por escrever? Certamente: é tão escasso o que resiste ao tempo e à mudança de gostos! Mas a mim ninguém poderá tirar-me o gozo e a dor que me deram. Esses livros, esses sentimentos, são o mais verdadeiro da minha vida, são o tutano da minha biografia: enquanto íntimos, quase inefáveis. Por isso não os posso descrever e deixo aqui, sob estes gatafunhos, este curriculum, de certa maneira, apenas de certa maneira.


Etiquetas:

quarta-feira, junho 28, 2006

Alicerçando Poesia # 193 - Adolfo Simões Müller


Quando Eu Era Pequenino...


Quando eu era pequenino,
gostava de ouvir contar
histórias de princesinhas
encantadas ao luar.

Havia então lá em casa
uma criada velhinha,
a Sérgia contava histórias
- e que graça que ela tinha!

Lendas de reis e de fadas,
inda me incheis a lembrança!
Que saudades de vós tenho,
ó meus contos de criança!

“Era uma vez...” As histórias
começavam sempre assim;
e eu, então, sem me mexer,
ouvia-as até ao fim.

Lembro-me ainda tão bem!
Os irmãos à minha beira,
calados! E a boa Sérgia
contava desta maneira:

“Era uma vez...” E depois,
olhos fitos nos seus lábios,
ouvia contos sem conta
de gigantes e de sábios”.

“Era uma vez...” E, por fim,
a voz da Sérgia parava...
E assim como eu te contei
era como ela contava.

Ai! que saudade, que pena,
que nos meus olhos tu vês!
Eu sentava-me e ela, então,
começava: - “Era uma vez...”



O Príncipe Imaginário e Outros Contos Tradicionais Portugueses



Etiquetas:

segunda-feira, junho 26, 2006

Alicerçando Poesia # 192 - Charles Baudelaire


L'ennemi


Ma jeunesse ne fut qu'un ténébreux orage,
Traversé ça et là par de brillants soleils;
Le tonnerre et la pluie ont fait un tel ravage,
Qu'il reste en mon jardin bien peu de fruits vermeils.


Voilà j'ai touché l'automne des idées,
Et qu'il faut employer la pelle et les râteaux
Pour rassembler è neuf les terres inondées,
Où l'eau creuse des trous grands comme des tombeaux.


Et qui sait si les fleurs nouvelles que je rêve
Trouveront dans ce sol lavé comme une grêve
Le mystique aliment Qui ferait leur vigueur?


- O douleur! Õ douleur! Le Temps mange la vie,
Et l'obscur Ennemi qui nous ronge le coeur
Du sang que nous perdons croît et se fortifie!


LES FLEURES DU MAL ET AUTRES POEMES, GARNIER-FLAMMARION, PARIS, 1964, P.44



Etiquetas:

domingo, junho 25, 2006

Alicerçando Fotos # 21


Há sempre luz mesmo num regresso

HFM - Fotografia tirado de dentro da Merveille do Mont St. Michel


Etiquetas: