quarta-feira, janeiro 31, 2007
terça-feira, janeiro 30, 2007
Alicerçando Poesia # 232 - Gastão Cruz
Distraí-me e já tu ali não estavas
Vendeste ao tempo a glória do início
E na mão recebeste a moeda fria
Com que o tempo pagou a tua entrada.
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sábado, janeiro 27, 2007
quinta-feira, janeiro 25, 2007
Alicerçando Poesia # 231 - Natália Correia
Dá-me do sonho a loucura exacta
Que liberta a alma taciturna
A ti me entrego na hora adormecida
De flores e estrelas que não têm data.
Tempo, deixa-me em paz. Eu sou nocturna.
Sonetos românticos
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segunda-feira, janeiro 22, 2007
Alicerçando Poesia # 230 - Gerrit Komrij
POEMA
O primeiro verso é para começar
O segundo é o penúltimo do fundo.
O terceiro dá terreno para avançar.
O quarto vai rimar com o segundo.
O quinto prega-nos uma partida.
O sexto abate os custos mais de um terço.
O sétimo é conversa distraída.
O oitavo seriíssimo. Ou o inverso.
O nono conta o mesmo por inteiro.
O décimo é, se calha, desilusão.
O undécimo é só o décimo primeiro.
O duodécimo é de nada a conclusão.
tradução de Fernando Venancio
Contrabando - Antologia Poética
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sábado, janeiro 20, 2007
Alicerçando Poesia # 229 - Fiama Hasse Pais Brandão
Depois de saber da sua morte.
Da Ferida
Regresso, depois da litania,
à contemplação sem voz.
A memória da música é
amarga, quando estou só.
Os quartetos de Beethoven
arrancam-me uma parte
do corpo em substância.
Ferida, terei de ir ainda
à cidade dia a dia.
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quinta-feira, janeiro 18, 2007
Alicerçando Palavras # 124 - Claude Lévi-Strauss
On a commencé par couper l'homme de la nature et par le constituer en règne souverain. On a cru ainsi effacer son caractère le plus irrécusable, à savoir qu'il est d'abord un être vivant. Or [...] en s'arrogeant le droit de séparer l'humanité de l'animalité, en accordant à l'une tout ce qu'il retirait à l'autre, il ouvrait un cycle maudit: il aurait fallu comprendre que la même frontière servirait plus tard à écarter des hommes d'autres hommes, et à revendiquer au profit de minorités toujours plus restreintes le privilège d'un humanisme corrompu.
Claude Lévi-Strauss, Anthropologie structurale, Plon, 1958
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segunda-feira, janeiro 15, 2007
Alicerçando Poesia # 228 - Maria Gabriel Llansol
Há-de-nos, que refulges no texto – santificado seja o teu labor,
sereno e incansável e azul o dia que nos dais hoje
e assim se prolongue a noite
e o seu fruto – uma manhã de seda tão cheia de impensado como esta;
pelas manchas das palavras que dizemos nos dai uma língua,
uma trepidação de incognoscível,
não universal mas exacta que te atravesse, ó Há,
e rasgue na terra um jardim edénico, desocultado, florescendo do é,
de sempre e daqui.
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sábado, janeiro 13, 2007
Alicerçando Poesia # 227 - Eduardo Graça
A casa
(Glosa a um verso do poema “A Casa” de Gabriela Mistral)
Meu filho, a mesa já está posta,
Subi a rua toquei na soleira da porta.
Vi-me na janela em que, olhos espantados,
Observei o cair da neve naquela manhã
(ou seria tarde?)
Tornei ao largo da Feira do Carmo.
Vi-me no lugar dos cheiros acres e alados
Caminhei ao longo do cós da infância
(ou seria a liberdade?)
Gastei o tempo da minha vida olhando.
Vi-me, súbito, face a minha mãe:
Meu filho, a mesa já está posta,
(ou seria a saudade?)
Faro, 4 de Setembro de 2004
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quarta-feira, janeiro 10, 2007
Alicerçando Palavras # 123 - Gonçalo B. de Sousa
da poesia, umas palavras
A arte é como o amor: quanto mais velho sou, menos sei. Descobrir é matar as certezas: Afinal o fim do mar não é já ali, nem os homens têm olhos no peito.
Ir de viajem é que é bom. Da janela do carro, as aldeias sucedem-se na paisagem, revelando-se na sua brancura. Já não são, para mim, aldeias, mas cada uma em si, diferente das outras. E isto nem é saber: É ir sabendo uma coisa de cada vez; A forçosa humildade daqueles que, como eu, se acham em estado de ignorância.
É o que a poesia tem de bom para o poeta: Quanto mais lhe diminui a vaidade mais o enriquece de espanto, com a palavra revelada. Assim como a criança que atira os primeiros passos além da parede, ou que pensava serem todas as borboletas azuis, e descobre uma amarela.
Almada, 6-1-2007
domingo, janeiro 07, 2007
Alicerçando Poesia # 226 - Djuna Barnes 1892/1982
The Personal God
Creeds of a kind we've always had
To crouch by our dim fireside.
And here some gossiping wench arose
And the worth of some good name died
Yea, the whole stale world went rocking
To the sting of her poisoned heels,
As a sky-car mangles the stars
For lack of the guiding wheels.
Though all of us sin most fully
When hushed in our neighbourly sweats,
Yet sometimes a man goes empty
For the urge of things, and forgets.
We stick to the same old pattern,
All daubed and kissed and marred,
But I'll use my own gray plaster
And I'll build me a personal God.
I'll breathe out his flaccid belly,
I'll cup out his sightless eyes,
I'll sob in the labour bending,
As I handle his plastic thighs.
And he shall be rash of judgment,
And slow in the use of the rod.
My God shall giggle in spite of himself,
In the way of a personal God.
He shall heed no other's message;
He shall follow no dusty path;
He'll believe in no written pity;
Nor yet in a written wrath;
He'll breed no circle of platters
Nor take root in your yearly fees;
He'll ask no patient toll of tears
Nor the terrible toll of the knees.
So, when all of you flock to your fancy,
The God that is always the same,
My God shall halt and be human
And his judgment shall halt and be lame
Yea, the devil came down your pass,
Blown in on the strength of the breeze,
And because your Gods were duplicates
He shattered you on his knees.
I'll work my clay as I find it,
All hushed as it lies in the sod,
And he shall be built for better or worse
In the way of a Personal God
From The Book of Repulsive Women and other poems
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sexta-feira, janeiro 05, 2007
Aliceçando Palavras # 122 - Ondjaki
...Velhice é todos os dias ir despedindo um pouco coisas que inda nos tocam as paredes do coração. Durante esta minha vida acendi candeeiros pela simples poesia desse gesto, sendo, cada chama, um poema que eu escrevia para quem passava. Depois, depois do último, acariciava minha escada amiga. A dois, dividíamos um momento de frio: esses que passam a olhar meus candeeiros? Esses que vão para casa, pras as famílias deles, lareiras deles, olham as minhas chamas nocturnas? Eu é que ponho luz nas noites, meto medo na escuridão, invento pirilampos na cidade. Fosse crente, julgaria fazer jogo-de-luzes pra deus. Como sou velho, julgo ter sido poeta das luzes, escrevedor das velas, conhecedor das ceras escorridas, quer dizer, artífice de minúsculas luzes amarelas. Minha vida acontece de noite – eu fosse uma chama provisória. Quando olho o céu, lhe vejo assim pintalgado de brilhos, indago-me, e eu, quem me acendeu sempre, enquanto acendi estrelas aqui na terra?
ONDJAKI, E Se Amanhã o Medo, (contos), Caminho
terça-feira, janeiro 02, 2007
Alicerçando Poesia # 225 - Georges Perros
Il est long à se déclarer, ce pays
On n’en perçoit pas tout de suite
Le tressaillement organique
On le trouve généralement beau
C’est une manière
De s’en débarrasser.
Il faut s’y enfoncer s’y perdre
Comme dans l’amour justement,
En connaître toutes les saisons
Et surtout celle-là où l’homme
Perd un peu de son ombre
Et surtout celle-là l’hiver
Qui rend les choses à leur nom.
Poèmes bleus, Gallimard, 1962
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Alicerçando Poesia # 224 - Mário de Sá-Carneiro
Dispersão
Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.
Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...
Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.
(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:
Porque um domingo é família,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem família).
O pobre moço das ânsias...
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que te abismaste nas ânsias.
A grande ave doirada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.
Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.
Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projecto:
Se me olho a um espelho, erro -
Não me acho no que projecto.
Regresso dentro de mim
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha, dentro de mim.
Não perdi a minha alma,
Fiquei com ela, perdida.
Assim eu choro, da vida,
A morte da minha alma.
Saudosamente recordo
Uma gentil companheira
Que na minha vida inteira
Eu nunca vi... mas recordo
A sua boca doirada
E o seu corpo esmaecido,
Em um hálito perdido
Que vem na tarde doirada.
(As minhas grandes saudades
São do que nunca enlacei.
Ai, como eu tenho saudades
Dos sonhos que não sonhei!...)
E sinto que a minha morte -
Minha dispersão total -
Existe lá longe, ao norte,
Numa grande capital.
Vejo o meu último dia
Pintado em rolos de fumo,
E todo azul-de-agonia
Em sombra e além me sumo.
Ternura feita saudade,
Eu beijo as minhas mãos brancas...
Sou amor e piedade
Em face dessas mãos brancas...
Tristes mãos longas e lindas
Que eram feitas p'ra se dar...
Ninguém mas quis apertar...
Tristes mãos longas e lindas...
Eu tenho pena de mim,
Pobre menino ideal...
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...
Desceu-me n'alma o crepúsculo;
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.
Álcool dum sono outonal
Me penetrou vagamente
A difundir-me dormente
Em uma bruma outonal.
Perdi a morte e a vida,
E, louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida
Eu sigo-a, mas permaneço...
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Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba...
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In Dispersão -Paris, Maio de 1913
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