domingo, outubro 30, 2005
sexta-feira, outubro 28, 2005
Alicerçando Palavras # 107 - José Régio
Em Arte, é vivo tudo o que é original. É original tudo o que provém da parte mais virgem, mais verdadeira e mais íntima duma personalidade artística. A primeira condição duma obra viva é pois ter uma personalidade e obedecer-lhe. Ora como o que personaliza um artista é, ao menos superficialmente, o que o diferencia dos demais, (artistas ou não) certa sinonímia nasceu entre o adjectivo original e muitos outros, ao menos superficialmente aparentados; por exemplo: o adjectivo excêntrico, estranho, extravagante, bizarro... Eis como é falsa toda a originalidade calculada e astuciosa.
Eis como também pertence à literatura morta aquela em que um autor pretende ser original sem personalidade própria. A excentricidade, a extravagância e a bizarria podem ser poderosas - mas só quando naturais a um dado temperamento artístico. Sobre outras qualidades, o produto desses temperamentos terá o encanto do raro e do imprevisto. Afectadas, semelhantes qualidades não passarão dum truque literário.
José Régio, in 'Presença, Folha de Arte e Crítica, 1927-1940'
Retirado do Citador
quinta-feira, outubro 27, 2005
Alicerçando Poesia # 135 - Tanussi Cardoso
EL RÍO DENTRO DE MI
Para Joâo Cabral Melo Neto
in memorian
No me interesa el paisaje
Mas que en mí, adormecido,
Espera romper la imagen
Aquello que en mí, despido,
Tiembla como el desierto y el espejismo,
Notas de un sonido escondido
No me interesa la vana porfía
Que persiste a la luz de la ciudad,
Mas que, muerto en mí espía
Aquello que, pez, invade
El río que, bajo la piel, me guía
Al fondo-fondo de la claridad
No me interesa la carne viva
Que sólo se muestra escondida
Como navíos valseando a la deriva.
Aquello que es dolor corrompido,
Hueso servido a los íntimos
Por los que, vivos, matan la vida.
Sólo me interesa la poesía
Bendita de todos, mordida
Fruta que se divide
Aquello que el vientre irradia
La arquitectura de la lámina fría,
Y que de sol y pan se hace vívida.
Retirado de: http://www.revistamalabia.com.ar
quarta-feira, outubro 26, 2005
terça-feira, outubro 25, 2005
Alicerçando Poesia # 134 - Daniel Filipe 1925/1964
Um amor como este
não pede mar ou praia:
somente o vento leste
erguendo a tua saia.
O resto é futuro
além, à nossa espreita:
doce fruto maduro
na hora da colheita.
Balada para a Trégua Possível, 4.
segunda-feira, outubro 24, 2005
Alicerçando Palavras # 106 - Hegel 1770/1831
O verdadeiro ponto crítico nesta vida de Deus é aquele em que ele abandona a sua existência singular como este homem, a Paixão, o sofrimento na cruz, o calvário do espírito, o suplício da morte. Ora, na medida em que aqui está implícito no próprio conteúdo que a aparência externa, corpórea, a existência imediata como indivíduo, se mostre na dor da sua negatividade como o negativo, para que o espírito atinja a própria verdade e o próprio céu mediante o sacrifício do sensível e da singularidade subjectiva, esta esfera de representação afasta-se mais do qualquer outra do ideal plástico clássico.
De facto, por um lado, corpo terreno e a fragilidade da natureza são em geral elevadas e honradas pelo facto de ser o próprio Deus que nelas aparece; por outro lado, é precisamente este humano e corpóreo que é posto como negativo e transparece na dor, enquanto no ideal clássico ele não perde a imperturbada harmonia com o espiritual e substancial.
Hegel, Estética III, 1798-1800
sábado, outubro 22, 2005
quinta-feira, outubro 20, 2005
Alicerçando Poesia # 133 - Rodrigo Emílio 1944/2004
Noite para a Morte
(Insónia sem rumo)
- Só os meus olhos dormem
Eu não durmo.
quarta-feira, outubro 19, 2005
Alicerçando Palavras # 105 - S. Tomás de Aquino sec. XIII
A Beleza espiritual consiste no facto de o comportamento e os actos de uma pessoa serem bem proporcionados segundo a luz da razão.
Summa Theologiae
terça-feira, outubro 18, 2005
Alicerçando Poesia # 132 - Joaquim Manuel Magalhães
Juntamos toros e gravetos
para a lareira. Na mata
flutua o crepúsculo.
Marcos de luz a findar.
Vagas de zimbro, escórias
o arpão do esquecimento.
A súbita melancolia da casa.
As janelas abrem para o rio
e a barra e a ilha com névoa.
Podias ser tu de céu a céu.
A inquieta certeza da poesia
não admite questões. Descobre-se
ao virar da vinha, quando chegamos
ao tanque e não há ninguém.
Uma luz com um toldo vermelho, Editorial Presença, Lisboa
segunda-feira, outubro 17, 2005
Alicerçando Palavras # 104 - Boécio 480/526
Todas as coisas que foram construídas pela natureza primigénia aparecem formadas segundo a razão dos números. De facto, no ânimo do Criador, foi ela o principal exemplar. Daqui, se copiou a multidão dos quatro elementos, a sucessão das estações, o movimento dos astros, a rotação dos céus.
De arithmetica
sábado, outubro 15, 2005
sexta-feira, outubro 14, 2005
Alicerçando Palavras # 103 - Filolau sec. V a.C.
Todas as coisas que se conhecem têm um número; sem o número não seria possível conhecer ou pensar o que quer que fosse.
Fragmentos dos Pré-socráticos
quinta-feira, outubro 13, 2005
quarta-feira, outubro 12, 2005
Alicerçando Poesia # 130 - José Paulo Paes
O aluno
São meus todos os versos já cantados:
A flor, a rua, as músicas da infância,
O líquido momento e os azulados
Horizontes perdidos na distância.
Intacto me revejo nos mil lados
De um só poema. Nas lâminas da estância
Circulam as memórias e a substância
De palavras, de gestos isolados.
São meus também, os líricos sapatos
De Rimbaud, e no fundo dos meus atos
Canta a doçura triste de Bandeira.
Drummond me empresta sempre o seu bigode,
Com Neruda, meu pobre verso explode
E as borboletas dançam na algibeira.
(in O Aluno, 1947, seu primeiro livro)
Epitáfio
poeta menormenormenormenormenor
menormenormenormenormenor enorme
(in Calendário Perplexo, 1983)
segunda-feira, outubro 10, 2005
Alicerçando Palavras # 102 - Nietzsche
"Acreditamos na vida eterna", assim grita a tragédia; enquanto a música é a ideia imediata desta vida. Uma finalidade muito diferente tem a arte do escultor; aqui Apolo supera o sofrimento do indivíduo com a luminosa glorificação da eternidade da aparência, aqui a Beleza vence o sofrimento que insere na vida, a dor, é, de algum modo, obrigada a desaparecer dos traços da natureza. Na arte dionisíaca e no seu simbolismo trágico a própria natureza fala-nos com a sua voz verdadeira e aberta: "Sede como eu sou! Na mudança incessante das aparências, a mãe primigénia, eternamente criadora, que eternamente constringe à existência, que eternamente se satisfaz com esta mudança de aparência".
O nascimento da tragédia
sábado, outubro 08, 2005
sexta-feira, outubro 07, 2005
quinta-feira, outubro 06, 2005
Alicerçando Poesia # 128 - Ivan Junqueira
Talvez O Vento Saiba
Talvez o vento saiba dos meus passos,
das sendas que os meus pés já não abordam,
das ondas cujas cristas não transbordam
senão o sal que escorre dos meus braços.
As sereias que ouvi não mais acordam
à cálida pressão dos meus abraços,
e o que a infância teceu entre sargaços
as agulhas do tempo já não bordam.
Só vejo sobre a areia vagos traços
de tudo o que meus olhos mal recordam
e os dentes, por inúteis, não concordam
sequer em mastigar como bagaços.
Talvez se lembre o vento desses laços
que a dura mão de Deus fez em pedaços.
terça-feira, outubro 04, 2005
Alicerçando Palavras # 101 - Vitrúvio sec I a.C.
A simetria é a harmonia apropriada que emerge dos membros da própria obra e a correspondência métrica que resulta das partes separadas em relação ao aspecto da figura inteira. [...] A simetria nasce da proporção, a que os Gregos chamam analogia; nenhum edifício pode ser ordenado de modo adequado sem analogia com a proporção certa do corpo humano.
De architectura
segunda-feira, outubro 03, 2005
Alicerçando Poesia # 127 - John Suckling 1609-1642
WHY SO PALE AND WAN, FOND LOVER?...
Porque pálido e triste, meu rapaz?
Diz: porque tão pálido?
Ou, quando um ar jucundo não lhe apraz,
um ar triste – é mais cálido?...
Diz: porque tão pálido?
Porque silente e mudo, pobre jovem?
Diz: porque silente?
Ou, quando meigas falas a não movem,
ser mudo – é eloquente?...
Diz: porque silente?
Vamos, vamos!... Juízo! O teu penar
que pode ter, que enleve?
Se por si mesma te não quer amar,
mais fria do que a neve...
- o demónio que a leve!
Tradução de: Luiz Cardim
In, Horas de Fuga, Edições Asa
sábado, outubro 01, 2005
Alicerçando Poesia # 126 - Luís Adriano Carlos
O Paraíso no Inferno
Sa sílaba à ideia o inferno pausa por momentos
sobre o silêncio. Negra
a forma frígida das estátuas, ocas
paisagens sob o olhar no espelho.
Da sílaba à ideia
o inferno avança por momentos. Breve
respira o mundo em mim,
no só passar-se em ti.
É por visar o fim que vejo outro deus,
deserto em fundo, oco espelho assim.
A barca desce o meu pestanejar
de entre a morte que nos cansa já.
O Suícida Aprendiz, Edições Asa, 2002