#footer { width:660px; clear:both; margin:0 auto; } #footer hr { display:none; } #footer p { margin:0; padding-top:15px; font:78%/1.6em "Trebuchet MS",Trebuchet,Verdana,Sans-serif; text-transform:uppercase; letter-spacing:.1em; }

domingo, dezembro 31, 2006

Alicerçando Imagens # 105 - Kees van Dongen 1877-1968




Senhora com cigarro, aguarela e gouache, Colecção Thyssen-Bornemiza


Etiquetas:

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Alicerçando Palavras # 121 - Rainer Maria Rilke


Recuso os sonhos que te ignoram e os desejos que não possas despertar. Não quero fazer um gesto que não te louve, nem cuidar uma flor que não te efeite; não quero saudar as aves que ignorem o caminho da tua janela, nem beber em ribeiros que não tenham acolhido o teu reflexo. Não quero visitar países que os teus sonhos não tenham percorrido como taumaturgos vindos de fora, nem habitar cabanas que não tenham abrigado o teu repouso. Nada quero saber de quem te precedeu em meus dias, nem dos seres que aí permanecem.

Carta de Rilke a Lou Andreas-Salomé



Etiquetas:

quarta-feira, dezembro 27, 2006

Alicerçando Poesia # 223 - António Nobre


Ao canto do lume


Novembro. Só! Meu Deus, que insuportável Mundo!
Ninguém, viv'alma... O que farão os mais?
Senhor! a Vida não é um rápido segundo:
Que longas estas horas! Que profundo
Spleen o destas noites imortais!

Faz tanto frio. (Só de a ver, me gela a cama...)
Que frio! Olá, Joseph! Deita mais carvão!
E quando todo se extinguir na áurea chama,
Eu deitarei (para que serve? já não ama)
Às cinzas brancas, o meu pobre coração!

Lá fora o Vento como um gato bufa e mia...
Ó pescadores, vai tão bravo o Mar!
Cautela... Orçai! Largai a escota! Ave, Maria!
Cheia de Graça... Horror! Mortos! E a água tão fria...
Que triste ver os Mortos a nadar!

Spleen! Que hei-de eu fazer? Dormir, não tenho sono,
Leva-me a carne a Dor, desgasta-me o perfil.
Nada há pior que este romântico abandono!
Ó meus Castelos-em-Espanha! Ó meu Outono
D'Alma! Ó meu cair-das-folhas, em Abril!

A Vida! Horror! Ó vós que estais no último alento!
Que felizes, sois prestes a partir!
Ó Morte, quero entrar no teu Recolhimento!...
Oiço bater. Quem é? Ninguém: um rato... o Vento...
Coitado! é o Georges, tísico, a tossir...

Mês de Novembro! Mês dos tísicos! Suando
Quantos a esta hora, não se estorcem a morrer!
Vê-se os Padres as mãos, contentes, esfregando...
Mês em que a cera dá mais e a botica, e quando
Os carpinteiros têm mais obra pra fazer...

Oiço um apito. O trem que se vai... Engatar-te
Quem me dera o vagão dos sonhos meus!
Lá passa, ao longe. Adeus! Quisera acompanhar-te...
- Boa viagem! Feliz de quem vai, de quem parte!
Coitado de quem fica... Adeus! adeus!

Que ilusão, viajar! Todo o Planeta é zero.
Por toda a parte é mau o Homem e bom o Céu.
- Américas! Japão! Índias! Calvário!... Quero
Mas é ir à Ilha orar sobre a cova do Antero
E a Águeda beber água do Botaréu...

Via a Ilha loira, o Mar! Pisei terras de Espanha,
Países raros, Neves, Areais;
Cantando, ao luar, errei nas ruas da Alemanha...
Armei na França minha tenda de campanha...
E tédio, tédio, tédio e nada mais!

Que hei-de eu fazer! Calai essas canções imundas,
Cervejarias do Quartier! Rezai, rezai!
Paisagem, onde estás? Ó luar, águas profundas!
Ó choupos, à tardinha, altivos, mas corcundas,
Tal como aspirações irrealizáveis, ai!

Não me tortura mais a Dor. Sou feliz. Creio
Em Deus, numa Outra-Vida, além do Ar.
Vendi meus livros, meu Filósofo queimei-o.
Agora, trago uma medalha sobre o seio
Com a qual falo, às noites, ao deitar.

(E a chuva cai...) Meu Deus! Que insuportável Mundo!
Viv'alma! (O Vento geme...) O que farão os mais?
Senhor! A Vida não é um rápido segundo:
Que longas horas estas horas! Que profundo
Spleen mortal o destas noites imortais!


Paris, 1890-91

Etiquetas:

sexta-feira, dezembro 22, 2006





Etiquetas:

domingo, dezembro 17, 2006

Alicerçando Poesia # 222 - Fiama Hasse Pais Brandão

"Como se explica Ípias, que os antigos sábios
todos se tenham afastado dos negócios públicos?"

perguntei, porque também eu calei
a minha voz pública de outrora. Cidade,
perdoa-me a ausência e o rancor,
perdoa que a minha voz agora
não nomeie os teus cais de embarque,
a dor, a miséria e cúpida opressão.
Ainda amo, neste exílio de paz a mesma Paz.
Sábia, não sou. Calei-me porque
as memórias minhas e a voz sozinha
também pertencem ao Todo, em harmonia.
Ainda amo a pátria, feita de lugares, parentes,
dos próximos, e do vento, meu semelhante.

Etiquetas:

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Alicerçando Imagens # 104 - Norman Rockwell



Crítico de Arte, 1955, óleo sobre tela, The Norman Rockwell Museum of Stockbridge - Massachusetts


Etiquetas:

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Alicerçando Poesia # 221 - Eugénio de Andrade


Canção

Pedi às vagas
altas e sucessivas
que fossem como folha
de álamo;
que fossem sobre o coração
carícia ou só
memória de lábios.


Etiquetas:

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Alicerçando Poesia # 220 - Ruy Belo


Muriel


Às vezes se te lembras procurava-te
retinha-te esgotava-te e se te não perdia
era só por haver-te já perdido ao encontrar-te
Nada no fundo tinha que dizer-te
e para ver-te verdadeiramente
e na tua visão me comprazer
indispensável era evitar ter-te
Era tudo tão simples quando te esperava
tão disponível como então eu estava
Mas hoje há os papéis há as voltas dar
há gente à minha volta há a gravata
Misturei muitas coisas com a tua imagem
Tu és a mesma mas nem imaginas
como mudou aquele que te esperava
Tu sabes como era se soubesses como é
Numa vida tão curta mudei tanto
que é com certo espanto que no espelho da manhã
distraído diviso a cara que me resta
depois de tudo quanto o tempo me levou
Eu tinha uma cidade tinha o nome de madrid
havia as ruas as pessoas o anonimato
os bares os cinemas os museus
um dia vi-te e desde então madrid
se porventura tem ainda para mim sentido
é ser solidão que te rodeia a ti
Mas o preço que pago por te ter
é ter-te apenas quanto poder ver-te
e ao ver-te saber que vou deixar de ver-te
Sou muito pobre tenho só por mim
no meio destas ruas e do pão e dos jornais
este sol de Janeiro e alguns amigos mais
Mesmo agora te vejo e mesmo ao ver-te não te vejo
pois sei que dentro em pouco deixarei de ver-te
Eu aprendi a ver a minha infância
vim a saber mais tarde a importância desse verbo para os gregos
e penso que se bach hoje nascesse
em vez de ter composto aquele prelúdio e fuga em ré maior
que esta mesma tarde num concerto ouvi
teria concebido aqueles sweet hunters
que esta noite vi no cinema rosales
Vejo-te agora vi-te ontem e anteontem
E penso que se nunca a bem dizer te vejo
se fosse além de ver-te sem remédio te perdia
Mas eu dizia que te via aqui e acolá
e quando te não via dependia
do momento marcado para ver-te
Eu chegava primeiro e tinha de esperar-te
e antes de chegares já lá estavas
naquele preciso sítio combinado
onde sempre chegavas sempre tarde
ainda que antes mesmo de chegares lá estivesses
se ausente mais presente pela expectativa
por isso mais te via do que ao ter-te à minha frente
Mas sabia e sei que um dia não virás
que até duvidarei se tu estiveste onde estiveste
ou até se exististe ou se eu mesmo existi
pois na dúvida tenho a única certeza
Terá mesmo existido o sítio onde estivemos?
Aquela hora certa aquele lugar?
À força de o pensar penso que não
Na melhor das hipóteses estou longe
qualquer de nós terá talvez morrido
No fundo quem nos visse àquela hora
à saída do metro de serrano
sensivelmente em frente daquele bar
poderia pensar que éramos reais
pontos materiais de referência
como as árvores ou os candeeiros
Talvez pensasse que naqueles encontros
em que talvez no fundo procurássemos
o encontro profundo com nós mesmos
haveria entre nós um verdadeiro encontro
como o que apenas temos nos encontros
que vemos entre os outros onde só afinal somos felizes
Isso era por exemplo o que me acontecia
quando há anos nas manhãs de roma
entre os pinheiros ainda indecisos
do meu perdido parque de villa borghese
eu via essa mulher e esse homem
que naqueles encontros pontuais
Decerto não seriam tão felizes como neles eu
pois a felicidade para nós possível
é sempre a que sonhamos que há nos outros
Até que certo dia não sei bem
Ou não passei por lá ou eles não foram
nunca mais foram nunca mais passei por lá
Passamos como tudo sem remédio passa
e um dia decerto mesmo duvidamos
dia não tão distante como nós pensamos
se estivemos ali se madrid existiu
Se portanto chegares tu primeiro porventura
alguma vez daqui a alguns anos
junto de califórnia vinte e um
que não te admires se olhares e me não vires
Estarei longe talvez tenha envelhecido
Terei até talvez mesmo morrido
Não te deixes ficar sequer à minha espera
não telefones não marques o número
ele terá mudado a casa será outra
Nada penses ou faças vai-te embora
tu serás nessa altura jovem como agora
tu serás sempre a mesma fresca jovem pura
que alaga de luz todos os olhos
que exibe o sossego dos antigos templos
e que resiste ao tempo como a pedra
que vê passar os dias um por um
que contempla a sucessão de escuridão e luz
e assiste ao assalto pelo sol
daquele poder que pertencia à lua
que transfigura em luxo o próprio lixo
que tão de leve vive que nem dão por ela
as parcas implacáveis para os outros
que embora tudo mude nunca muda
ou se mudar que se não lembre de morrer
ou que enfim morra mas que não me desiluda
Dizia que ao chegar se olhares e não me vires
nada penses ou faças vai-te embora
eu não te faço falta e não tem sentido
esperares por quem talvez tenha morrido
ou nem sequer talvez tenha existido.


Etiquetas:

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Alicerçando Poesia # 219 - Ibn Sara (?-1123)

A Lareira


filho da pedreira
tem brasas nas entranhas,
estrelas brilhantes em noite escura.

diz-me lá se na verdade
ela não é alquimista?
mutou carvão em lingotes de ouro
de alva prata marchetados.

se o sopro solta o silvo
ela dança em rubra túnica.
e ao fundir a sua acha
nesse ouro em lingotes
a aurora simulou
quando a noite já caía.

se em seu redor tu nos visses
certamente que dirias:
ei-los que ali estão bebendo
e passando em seu redor,
de um vermelho alaranjado,
taças de espesso licor.




Tradução de Adalberto Alves
O Meu Coração é Árabe – Antologia



segunda-feira, dezembro 04, 2006

Alicerçando Poesia # 218 - JORGE DE SENA


CARTA A MEUS FILHOS SOBRE OS FUZILAMENTOS DE GOYA

Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
é possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem sequer seja isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
para que os liquidasse com suma piedade e sem efusão de sangue.
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de uma classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la.
é isto que mais importa -- essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez
alguém está menos vivo ou sofre ou morre
para que um de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
-- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga --
não hão-de ser em vão. Confesso que
muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam «amanhã».
E, por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é só nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.

Etiquetas: